quinta-feira, 19 de abril de 2012

Carta aos Bispos da Igreja católica sobre o atendimento pastoral das pessoas Homossexuais” Parte I



CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
CARTA AOS BISPOS DA IGREJA CATÓLICA
SOBRE O ATENDIMENTO PASTORAL 
DAS PESSOAS HOMOSSEXUAIS


1. O problema do homossexualismo e do juízo ético acerca dos atos homossexuais tornou-se cada vez mais objeto de debate público, mesmo em ambientes católicos. Em tal discussão, propõe-se muitas vezes argumentos e exprime-se posições não conformes com o ensinamento da Igreja Católica, que suscitam justa preocupação em todos aqueles que se dedicam ao ministério pastoral. Por esse motivo esta Congregação julga o problema tão grave e difuso que justifica a presente Carta sobre o atendimento pastoral às pessoas homossexuais, Carta dirigida a todos os Bispos da Igreja Católica.
2. Naturalmente, não se pretende elaborar neste texto um tratado exaustivo sobre um problema tão complexo. Prefere-se concentrar a atenção no contexto específico da perspectiva moral católica. Esta encontra apoio também nos resultados seguros das ciências humanas, as quais, também, possuem objeto e método que lhes são próprios e gozam de legítima autonomia.
A posição da moral católica baseia-se na razão humana iluminada pela fé e guiada conscientemente pela intenção de fazer a vontade de Deus, nosso Pai. Desta forma, a Igreja está em condições não somente de poder aprender das descobertas científicas, mas também de transcender-lhes o horizonte; ela tem a certeza de que a sua visão mais completa respeita a complexa realidade da pessoa humana que, nas suas dimensões espiritual e corpórea, foi criada por Deus e, por sua graça, é chamada a ser herdeira da vida eterna.
Somente em tal contexto poder-se-á compreender com clareza em que sentido o fenómeno do homossexualismo, em suas múltiplas dimensões e com seus efeitos sobre a sociedade e sobre a vida eclesial, é um problema que afeta propriamente a preocupação pastoral da Igreja. Por isto mesmo, requer-se dos seus ministros atento estudo, empenho concreto e reflexão honesta, teologicamente equilibrada.
3. Já na « Declaração acerca de algumas questões de ética sexual » de 29 de dezembro de 1975, a Congregação para a Doutrina da Fé tratava explicitamente deste problema. Naquela Declaração, salientava-se o dever de procurar compreender a condição homossexual e se observava que a culpabilidade dos atos homossexuais deve ser julgada com prudência. Ao mesmo tempo, a Congregação levava em consideração a distinção feita comumente entre a condição ou tendência homossexual, de um lado, e, do outro, os atos homossexuais. Estes últimos eram descritos como atos que, privados da sua finalidade essencial e indispensável, são « intrinsecamente desordenados » e, como tais, não podem ser aprovados em nenhum caso (cfr. n. 8, § 4).
Entretanto, na discussão que se seguiu à publicação da Declaração, foram propostas interpretações excessivamente benévolas da condição homossexual, tanto que houve quem chegasse a defini-la indiferente ou até mesmo boa. Ao invés, é necessário precisar que a particular inclinação da pessoa homossexual, embora não seja em si mesma um pecado, constitui, no entanto, uma tendência, mais ou menos acentuada, para um comportamento intrinsecamente mau do ponto de vista moral. Por este motivo, a própria inclinação deve ser considerada como objetivamente desordenada.
Aqueles que se encontram em tal condição deveriam, portanto, ser objeto de uma particular solicitude pastoral, para não serem levados a crer que a realização concreta de tal tendência nas relações homossexuais seja uma opção moralmente aceitável.
4. Uma das dimensões essenciais de um autêntico atendimento pastoral é a identificação das causas que provocaram confusão quanto ao ensinamento da Igreja. Entre elas, deve-se assinalar uma nova exegese da Sagrada Escritura, segundo a qual a Bíblia ou não teria nada a dizer acerca do problema do homossexualismo, ou até mesmo tacitamente o aprovaria, ou então ofereceria prescrições morais tão condicionadas cultural e historicamente, que afinal não mais poderiam ser aplicadas à vida contemporânea. Tais opiniões, gravemente erróneas e desorientadoras, requerem, portanto, uma especial vigilância.
5. É verdade que a literatura bíblica é tributária das várias épocas nas quais foi escrita, com relação a grande parte dos seus modelos de pensamento e de expressão (cfr. Dei Verbum, n. 12). Certamente, a Igreja de hoje proclama o Evangelho a um mundo bastante diferente do mundo antigo. Por outro lado, o mundo no qual foi escrito o Novo Testamento estava já consideravelmente mudado, por exemplo, quanto à situação na qual foram escritas ou redigidas as Sagradas Escrituras do povo judeu.
Deve-se ressaltar todavia que, embora no contexto de uma diversidade notável, existe uma evidente coerência no interior das mesmas Escrituras no que diz respeito ao comportamento homossexual. Por isto, a doutrina da Igreja acerca deste ponto não se baseia apenas em frases isoladas, das quais se podem deduzir argumentações teológicas discutíveis, e sim no sólido fundamento de um testemunho bíblico constante. A atual comunidade de fé, em ininterrupta continuidade com as comunidades judaicas e cristãs no seio das quais foram redigidas as antigas Escrituras, continua a alimentar-se com aquelas mesmas Escrituras e com o Espírito de Verdade do qual elas são a Palavra. É igualmente essencial reconhecer que os textos sagrados não são realmente compreendidos quando interpretados de um modo que contradiz a vigente Tradição da Igreja. Para ser correia, a interpretação da Escritura deve estar em acordo efetivo com esta Tradição.
A este respeito, assim se exprime o Concílio Vaticano II: « É claro, pois, que a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, por sapientíssima disposição de Deus, são entre si tão relacionados e unidos, que não podem subsistir independentemente, e todos juntos, segundo o modo próprio de cada um, sob a ação de um só Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas » (Dei Verbum, n. 10). À luz dessas afirmações aqui se delineia sucintamente o ensinamento da Bíblia sobre a matéria.
6. A teologia da criação, presente no livro do Génesis, fornece o ponto de vista fundamental para a adequada compreensão dos problemas suscitados pelo homossexualismo. Na sua infinita sabedoria e em seu amor onipotente, Deus chama à existência toda a criação, como reflexo da sua bondade. Cria o homem à sua imagem e semelhança, como varão e mulher. Por isto mesmo, os seres humanos são criaturas de Deus chamadas a refletir, na complementariedade dos sexos, a unidade interna do Criador. Eles realizam esta função, de modo singular, quando, mediante a recíproca doação esponsal, cooperam com Deus na transmissão da vida.
O capítulo 3 do Génesis mostra como esta verdade acerca da pessoa humana como imagem de Deus foi obscurecida pelo pecado original. Daí provém inevitavelmente uma perda da consciência acerca do caráter de aliança, próprio da união que as pessoas humanas mantinham com Deus e entre si. Embora o corpo humano conserve ainda o seu « significado esponsal », este, agora, é obscurecido pelo pecado. Assim, o deterioramento devido ao pecado continua a desenvolver-se na história dos homens de Sodoma (cfr. Gn 19, 1-11). Não pode haver dúvidas quanto ao julgamento moral aí expresso contra as relações homossexuais. Em Levítico 18, 22 e 20, 13, quando se indica as condições necessárias para se pertencer ao povo eleito, o Autor exclui do povo de Deus os que têm um comportamento homossexual.
Tendo como tela de fundo esta legislação teocrática, São Paulo desenvolve uma perspectiva escatológica, dentro da qual repropõe a mesma doutrina, elencando também entre aqueles que não entrarão no reino de Deus os que agem como homossexuais (cfr. 1 Cor6, 9). Em outra passagem do seu epistolário, baseando-se nas tradições morais dos seus ancestrais, mas colocando-se no novo contexto do confronto entre o cristianismo e a sociedade pagã do seu tempo, ele apresenta o comportamento homossexual como um exemplo da cegueira em que caiu a humanidade. Tomando o lugar da harmonia original entre Criador e criatura, o grave desvio da idolatria levou a todo tipo de excessos no campo moral. São Paulo aponta o exemplo mais claro desta desarmonia exatamente nas relações homossexuais (cfr. Rm 1, 18-32). Enfim, em perfeita continuidade com o ensinamento bíblico, na lista dos que agem contrariamente à sã doutrina, são mencionados explicitamente como pecadores aqueles que praticam atos homossexuais (cfr. 1 Tm1, 10).