sexta-feira, 13 de abril de 2012

A liberdade de opinião não valeria para a opinião religiosa? Porque não?

Quando o liberal moderno se mata na exceção.


Charles de Montesquieu sem a peruca.
Juro que tento, mas não tenho a menor ideia do motivo por que os liberais que prezam pela liberdade da opinião e da expressão pública de uma pessoa são os mesmos que dizem que a mesmíssima pessoa com os mesmíssimos direitos não teriam a mesma liberdade se a sua opinião fosse religiosa.
É uma regra que cria um verdadeiro estado de exceção. A liberdade de opinião e expressão vale até para as coisas mais duvidosas, para as quais há até argumentos de que não firam ninguém para que gozem dessa liberdade sossegadas; mas a religião não poderia pôr o pé fora da porta, ou fora do cérebro. Não se trata de um paradoxo, onde a contradição é apenas aparente e existe uma lógica pouco clara que explique distinção tão grande. É uma contradição mesmo, das grossas, que diferencia liberdades de opiniões pela única coisa que ela não pode ser diferenciada: pelo conteúdo.
Conceder exceção a uma liberdade fundamental, no caso, a de ter e expressar um credo, é um problema para conservadores e religiosos, mas é um problema maior ainda para os liberais ateus ou secularistas. Para as pessoas de fé essa exceção é um tiro na cabeça, mas para os secularistas é um tiro na própria cabeça. Pois não há como justificar essa exceção com alguma liberdade fundamental e não justificá-la contra todas as liberdades; ou uma liberdade é fundamental, ou não é nenhuma. E aí o liberalismo mata a raiz do próprio nome.
Não é à toa que as democracias evitem ao máximo estados de exceção e proíbem em suas constituições o juiz (ou juízo, ou tribunal) de exceção: eles são o veneno, o cianeto da democracia e do estado liberal. Sabe-se que a exceção, uma vez executada, tem todo o potencial de virar regra, porque sempre virá aquele que questionará porque a exceção foi aplicada a um caso e não a outro muito parecido. E quando a exceção vira regra, a democracia vira exceção.
Alguns secularistas desesperam-se e tentam equivaler, mesmo implicitamente, a expressão religiosa pública àquelas que sofrem limites à liberdade de expressão, como as calúnias, as discriminações injustas ou (ainda em alguns lugares) as imoralidades. Seria um veto da liberdade pelo julgamento do conteúdo do que é dito ou mostrado.  Na verdade, o objetivo da limitação da liberdade não é exatamente o conteúdo, mas a ofensa. A regra é defender o possível ofendido, que nada poderia fazer para evitar que algo depreciativo fosse publicado contra ele, a não ser tarde demais, quanto o estrago estivesse feito. É óbvio que uma expressão de fé pode ofender alguém, não porque seja de fé, mas porque seja ofensiva. As normas que limitam essas ofensas existem para defender outra liberdade, a de gozar da dignidade e da honra, e não para atacar a liberdade de expressão. Em outras palavras, essas normas são regras, não exceções.
Não me recordo de cabeça as reflexões da Igreja sobre o liberalismo (embora esteja quase certo que ele tenha sido tratado por Pio IX no século XIX); porém o liberalismo, como definição de liberdades fundamentais e não como ideologia política empedernida e mesquinha, não é necessariamente um mal. O Iluminismo foi importante para colocar na rua o princípio de que todos os homens nascem iguais, embora suas filhas ideológicas diretas tenham demorado tanto tempo pra aprender o que isso quer dizer na verdade. O Iluminismo também foi importante para mostrar à humanidade que não se deve cortar a cabeça de centenas de milhares de pessoas, literalmente, para provar que elas são iguais às outras. Isso, parece, nem os liberais modernos aprenderam, e provavelmente mantenham distância da literalidade da decapitação somente por um tênue senso de civismo. Os artigos e comentários que escrevem hoje parecem mostrar que ainda, mais de duzentos anos depois, não aprenderam o real significado de “todos”.