quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Pregador do Papa: “A resposta cristã ao racionalismo” Terceira meditação do Pe. Cantalamessa diante do Papa e da Cúria Romana (Parte III)

3. Necessidade de testemunhas
Quando a experiência do sagrado e do divino chega súbita e inesperada de fora de nós e é acolhida e cultivada, torna-se experiência subjetiva vivida. Temos assim as "testemunhas" de Deus que são santos e, de modo especial, uma categoria destes, os místicos.
Os místicos, segundo uma definição célebre de Dionísio o Areopagita, são aqueles que "padeceram Deus"16, isto é, participaram e viveram o divino. São, para o restante da humanidade, como exploradores que entraram primeiro, secretamente, na Terra Prometida e depois voltaram para contar o que tinham visto - "uma terra que mana leite e mel" - e exortar todo o povo a atravessar o Jordão (cf Num 14,6-9). Por meio deles, chegam a nós, nesta vida, os primeiros raios da vida eterna.
Quando lemos seus escritos, parecem distantes e até ingênuos os mais sutis argumentos dos ateus e racionalistas! Nasce, na relação com estes últimos, um sentido de surpresa e até de lástima como diante de alguém que fala de coisas que não conhece. Como alguém que acreditasse ter descoberto contínuos erros de gramática num interlocutor e não se desse conta que este está simplesmente falando uma outra língua que ele não conhece. Mas não há nenhuma vontade de confronto, mesmo as palavras em defesa de Deus parecem, naquele momento, vazias e fora de lugar.
Os místicos são, por excelência, aqueles que descobriram que Deus "existe", e mais ainda, que não somente existe realmente como infinitamente mais real que aquilo que chamamos realidade. Foi precisamente de um destes encontros que uma discípula do filósofo Husserl, judia e ateia convicta, uma noite descobriu o Deus vivo. Falo de Edith Stein, depois Santa Teresa Benedita da Cruz. Hospedada por amigos cristãos, quando estes precisaram ausentar-se uma noite, sozinha na casa e sem saber o que fazer, tomou um livro da biblioteca dos amigos e começou a ler. Era a autobiografia de Santa Teresa de Ávila. Atravessou a noite lendo. Chegada ao final, exclamou simplesmente: "Esta é a verdade!" No início da manhã, foi à cidade para comprar um catecismo católico e um missal e, depois de tê-los estudado, dirigiu-se a uma igreja próxima e solicitou o Batismo ao sacerdote.
Eu também fiz uma pequena experiência do poder que os místicos têm de fazer-nos tocar o sobrenatural. Era o ano em que se discutia muito o livro de um teólogo intitulado "Existe Deus? ("Existiert Gott?"); mas, terminada a leitura, poucos estavam preparados para trocar o ponto de interrogação do livro para o de exclamação. Indo a um congresso, tinha levado comigo o livro dos escritos da Beata Angela de Foligno, que eu ainda não conhecia. Fiquei literalmente deslumbrado; levava o livro comigo nas conferências, abria-o a cada intervalo e, no final, eu o fechei dizendo a mim mesmo: "Se Deus existe? Não só existe, mas é realmente fogo devorador!"
Infelizmente, certa moda literária conseguiu neutralizar até a "prova" viva da existência de Deus que são os místicos. E o fizeram com um método único: não reduzindo seu número, mas aumentando-o; não restringindo o fenômeno, mas expandindo-o dramaticamente. Me refiro àqueles que, numa resenha sobre místicos, em antologias de seus escritos ou numa história da mística colocam lado a lado, como parte do mesmo gênero de fenômenos, São João da Cruz e Nostradamus; santos e excêntricos; mística cristã e cabala medieval; hermetismo, teosofismo, formas de panteísmo e até alquimia. Os verdadeiros místicos são outra coisa e a Igreja tem razão de ser rigorosa no juízo sobre eles.
O teólogo Karl Rahner, tomando, ao parecer, uma frase de Raimondo Pannikar, afirmou: "O cristão de amanhã, ou será um místico, ou não será". Tentava dizer que, no futuro, manter viva a fé dependerá do testemunho de pessoas que possuem uma profunda experiência de Deus, mais que a demonstração de sua plausibilidade racional. Paulo VI dizia, no fundo, a mesma coisa quando afirmava, na Evangelii nuntiandi (n.41): "O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas".
Quando o apóstolo Pedro recomendava aos cristãos a estar "prontos a dar razão da vossa esperança" (1 Pe 3,15), é certo, no contexto, que ele não falava da razão especulativa ou dialética, mas da razão prática, ou seja, da sua experiência de Cristo, unida ao testemunho apostólico que a garantia. Num comentário a este texto, o cardeal Newman fala de "razões implícitas" que são, para os crentes, mais intimamente persuasivas que as razões explícitas e argumentativas17.