terça-feira, 21 de junho de 2011

Abusos sexuais: resposta do “fiscal” vaticano Fala D. Charles Scicluna, promotor de justiça da Congregação para a Doutrina da Fé

ROMA, segunda-feira, 20 de junho de 2011 (ZENIT.org) - A resposta da Igreja para os abusos sexuais do clero “compreende duas ações fundamentais: dar assistência às vítimas e educar as comunidades eclesiais”, explica o “fiscal” da Igreja para o assunto.
Dom Charles Scicluna, promotor de justiça da Congregação para a Doutrina da Fé, lembra que compete aos bispos diocesanos garantir esta resposta, conforme a Carta circular enviada às conferências episcopais, e informa que os fiéis podem prestar ajuda mediante os núncios apostólicos em cada país.
O padre maltês respondeu em 18 de junho às perguntas após a entrevista coletiva que deu em Roma para apresentar o simpósio internacional “Rumo à cura e à renovação”, convocado pela Universidade Pontifícia Gregoriana para fevereiro de 2012.
-O que significa dar assistência às vítimas e educar as comunidades?
-Dom Scicluna: Temos que começar pela formação dos padres no seminário. O estudo norte-americano mais recente sobre abusos sexuais de padres católicos contra menores, que é o informe John Jay, sobre as causas e o contexto desse fenômeno, confirma o seguinte: quando os seminários reforçam a consciência da importância da formação humana, incluindo uma visão sadia da sexualidade, é registrada uma diminuição dos abusos sexuais dos padres. Isso quer dizer que uma formação sadia dos seminaristas, uma visão sadia sobre o erotismo e a sexualidade, ajuda a pessoa a viver as exigências justas do celibato de um jeito mais consciente, não repressivo, e isso evita desafogos traumáticos e destrutivos.
-Como as comunidades participam da solução?
-Dom Scicluna: Existe uma esfera de abusos sexuais que nós nunca vamos conseguir desenraizar, porque ela é gerada pela constituição psicológica de cada indivíduo. Nós não estamos encarando só um problema de formação, mas sim a necessidade de uma terapia de longo prazo, para enfrentar uma perturbação muito difícil de diagnosticar e de descobrir. Então nós temos que colocar a comunidade sempre na condição de se proteger, de reconhecer adequadamente os sinais do abuso de poder, que, além disso, podem ser abusos erotizados, no âmbito do abuso da intimidade com os menores, ou virar um autêntico abuso sexual de menores.
A formação do clero tem que ser acompanhada pela formação da comunidade. Isso é importante também para garantir o acompanhamento das vítimas, que se sentem “de fora” da própria comunidade, por causa do peso que elas carregam por dentro. Aí nasce a exigência de uma atitude de misericórdia da comunidade eclesial, que acolhe o indivíduo ferido como uma parte integrante de si mesma, porque isso é o evangelho: o evangelho traz a cura, não apenas tenta evitar o pecado, mas propicia um ambiente em que a pessoa ferida pode se abrigar e voltar a encontrar os sinais da caridade, da esperança e da fé, que ela pode ter perdido por causa do abuso sofrido.
-A responsabilidade de encarar o problema é dos bispos, mas em muitos casos eles não estiveram à altura dessa responsabilidade...
-Dom Scicluna: Existem bispos de todos os tipos, mas existe uma atitude do bispo que não vem de uma opção pessoal, e sim da vocação a ser “bom pastor”. O bom pastor, quando vê o inimigo, não foge, mas fica firme para defender o rebanho, como Jesus nos disse. Bento XVI, no início do pontificado, falou: “Rezem por mim, para que eu não fuja diante do inimigo, mas tenha a valentia de ser um bom pastor”. As palavras de Jesus, atualizadas pelo papa, podem ser o ideal de cada bispo, hoje.
-E quando os bispos não são bons pastores?
-Dom Scicluna: A Carta circular enviada pela Congregação da Doutrina da Fé dá parâmetros para os bispos, representa um sinal bem forte da Santa Sé. Quando nós recebemos os bispos nas visitas ad limina, notamos uma consciência bem difundida sobre este problema e sobre a posição do papa. Cada fiel, também, tem o direito de expressar a sua preocupação com a diocese diretamente à Santa Sé, através do núncio. O meu trabalho me fez apreciar muito a atividade dos núncios, que representam a presença do Santo Padre para a comunidade local, não só para os governos. As pessoas têm que saber que elas podem se dirigir ao núncio quando existem questões que repercutem no ministério dos bispos, mas não para denunciá-los, e sim para dizer: “Nós temos confiança no ministério de Pedro, que o núncio representa; temos uma preocupação e temos o dever, não só o direito, de apresentá-la a Pedro”. Esta possibilidade também faz parte da educação da comunidade eclesial.
-O senhor disse, numa entrevista, que os casos de abuso sexual apresentados à congregação estão diminuindo.  Qual foi o papel dos meios de comunicação nessa diminuição?
-Dom Scicluna: Os meios de comunicação abriram os olhos de todos para este fenômeno e nos obrigaram a encarar a verdade dos fatos. Jesus nos disse que a verdade nos tornará livres. Não pode existir remédio se nós não formos suficientemente humildes e valentes para encarar a verdade dos fatos, a verdade da ferida, a exigência de cumprir melhor o nosso dever. Desse ponto de vista, eu vejo que Bento XVI, com grande humildade, está sabendo dar um grande exemplo não só para a Igreja, mas para o mundo.
(Chiara Santomiero)