quinta-feira, 16 de junho de 2011

O Exorcismo de Emily Rose – Crítica do Filme

Se há uma única paixão que cultivo neste mundo, essa paixão é o cinema. E já que segundo Bernard Shaw "tolos e sábios nivelam-se quando o assunto é a paixão", posso cultivar essa sem qualquer culpa. 

O filme “O Exorcismo de Emily Rose” (2005 - Sony Pictures), lançado desde setembro de 2005 nos EUA e Europa, mas apenas recentemente lançado no Brasil vem atraindo a atenção do grande público e lotado salas de cinema em todo país. O filme relata a história de uma jovem que se acreditava possuída pelo demônio.  Mais uma vez o tema é um sucesso de bilheteria, o que revela que o público sente-se especialmente atraído pelo assunto, mesmo quando o tema já teve seu formato desgastado pelas péssimas seqüências de ícones do gênero como “O Exorcista” e “Terror em Amityville”, o primeiro, por sinal, baseado num exorcismo real em um garoto de 14 anos, ocorrido na década de 40, num subúrbio de Washington nos EUA. “O Exorcista” foi até hoje o único filme de terror a ser indicado a um Oscar de melhor filme, se é que o gênero terror se aplique a ele.

Ao invés de repetir a fórmula desastrada das seqüências dos filmes citados - seqüências essas cheias de efeitos especiais baratos, estórias desconexas e sustos bobos – “O Exorcismo de Emily Rose” procura ater-se a uma realidade muito mais factível e esse é talvez seu grande mérito. O filme é um típico romance de tribunal, com advogados hora heróis hora vilões, um juiz carrancudo, reviravoltas, discursos heróicos e tudo mais desse gênero que está para os americanos como as novelas estão para os brasileiros. O filme baseia-se numa história real, entretanto, reflete apenas uma pequena parte dos fatos que inspiraram o roteiro. Os nomes foram modificados, o lugar dos acontecimentos e seus desdobramentos, mas o essencial da questão permaneceu inalterado com toda a sua controvérsia, só que auxiliada por outros elementos que a tornam mais emblemática. Entre eles, a contraposição entre ciência e fé.

A verdadeira protagonista da história chamava-se Anneliese Michel, uma jovem alemã de família católica, que desde os 15 anos começou a manifestar mais fortemente sintomas e comportamentos que mais tarde seriam atribuídos a uma possessão demoníaca, mas que os médicos diagnosticaram como epilepsia aliada a um quadro aparente de esquizofrenia. A jovem, na época, passou por uma série de exames e deu início a um tratamento médico longo e penoso, que não surtindo efeitos, foi substituído, a pedido da própria Anneliese e de seus pais, por acompanhamento religioso. A jovem dizia ver demônios e ter seu corpo subjugado por eles, além de escutar vozes assustadoras.

Em 1976 a diocese local, já provida das evidências de que a jovem não sofria de uma doença mental, autorizou o exorcismo observando o contido no Direito Canônico, [ cf. Cic, can. 1172]. Os 67 exorcismos realizados ao longo de 9 meses fracassaram, e a jovem, por motivação própria, resolveu não mais ser exorcizada, atribuindo essa decisão a uma aparição da Virgem Maria, que lhe teria oferecido a libertação, mas que a deixaria livre à opção do martírio se assim desejasse. Anneliese optou pelo martírio voluntário, alegando que seu exemplo enquanto possessa serviria de aviso a toda a humanidade de que o demônio existe e que nos ronda a todos, e que trabalhar pela própria salvação deve ser uma meta sempre presente. Ela afirmava que muitas pessoas diziam que Deus está morto, que haviam perdido a fé, então ela, com seu exemplo, lhes mostraria que o demônio age, e independe da fé das pessoas para isso.

Na história real, após a morte de Anneliese em 01/07/1976, aos 23 anos (por inanição e falência múltipla dos órgãos - o jovem morreu pesando pouco mais de 30kg), seus pais foram indiciados por homicídio culposo e omissão de socorro, e os dois padres exorcistas Ernst Alt e Arnold Renz sofreram as mesmas acusações. Os dois padres foram condenados a seis meses de prisão. Esse fato chocou a opinião pública alemã, gerando uma enorme polêmica em toda a Europa, que incluiu a Igreja, os meios acadêmicos e a justiça em torno da mesma discussão.  Não demorou até que o túmulo de Anneliese Michel se tornasse um local de peregrinação, e assim o é até hoje.

Diante da pressão dos meios de comunicação, que acusavam a Igreja de práticas medievais em pleno século XX, das dúvidas que cercaram todo o processo, além da enorme polêmica, a conferência episcopal alemã reformou a decisão da diocese de Klingenberg, que autorizou o exorcismo, e declarou que Anneliese Michel jamais fora uma possessa. Essa decisão foi recebida como uma atitude de autopreservação por parte da Igreja local, e só fez aumentar a polêmica em torno do fato.

Antes da filmagem de “O Exorcismo de Emily Rose”, outro filme já havia contado a história de Anneliese Michel: “Réquiem”, produzido e falado em alemão, muito mais fiel à verdade dos fatos, mas que ficou circunscrito apenas àquela parte do mundo.

“O Exorcismo de Emily Rose”, como qualquer produção americana, cerca a estória central com elementos alegóricos acessórios que lhe dêem sustentação e prenda a atenção do espectador, coisa que o filme faz com maestria. Mas independentemente da distância dos fatos reais, “O Exorcismo de Emily Rose” não violenta ou invalida o tema central de trama, apenas a reescreve sob outras luzes. O filme, muito embora possa frustrar aqueles que esperam um espetáculo aterrorizante, típico de filmes "B" para adolescentes,  tem o mérito de fazer uma análise bem estruturada da questão ao confrontar as noções modernas a respeito da existência do demônio sob várias óticas, principalmente a ótica médico-psiquiátrica, a parapsicologia, e o aspecto moral, ético e religioso da questão. Todos os elementos do filme conduzem a uma reflexão final surpreendente, e ao mesmo tempo perturbadora.

Por fim, o filme tem um elenco de primeira, com Laura Linney e o excelente ator britânico Tom Wilkinson. Muito embora haja cenas fortes, perto de “O Exorcista”, “O Exorcismo de Emily Rose” chega a ser um filme leve. O filme consegue ser vitorioso em fazer com que o espectador pense por um momento, reflita nem que seja por um átimo acerca dessa realidade sobrenatural que é a existência e a ação do demônio, o que torna o filme bastante franco em sua mensagem, e até mesmo surpreendente em se tratando de cinema americano, que muitas vezes consegue ser acéfalo.

Minha recomendação é que você assista ao filme. Será uma ótima oportunidade para pensar a questão. O filme termina com uma imagem que sugere  a esperança após o reencontro com a fé. Mas quanto a ação do demônio, o filme deixa nítido ainda que a realidade é bem pior, e a verdade ainda mais crua, mas ainda assim, será a verdade. Bastará sair do cinema e abrir um jornal para ver o quanto as verdades que o filme encerra podem estar próximas de todos nós.

Escrito por Elbson do Carmo