sexta-feira, 15 de abril de 2011

Jovens confundem o diabo com "anjo rebelde" e cresce o satanismo no mundo


ROMA, 11 Abr. 11 (ACI) .- O perito em satanismo, Carlo Climati, denunciou que "a cada dia aumenta o número de jovens que se declaram seduzidos pelo diabo e a magia negra" com a ilusão de viver uma vida sem regras seguindo um "anjo rebelde".

Em uma entrevista concedida no dia 5 de abril ao grupo ACI em Roma, Climati explicou que o satanismo "destrói aqueles valores universais que estão escritos no coração de cada ser humano"; cria confusão e "uma espécie de sociedade ao revés, onde o bem vira o mal e o mal vira o bem".

Ele considerou que os jovens confundem o diabo com um "anjo rebelde", e se deixam capturar "pela ilusão de uma vida aparentemente livre, sem regras", por uma liberdade enganosa que os leva "a um estado de dependência e de escravidão".

A moda satânica e do esoterismo se estende por todo mundo, "infelizmente, a sociedade moderna está com freqüência dominada pelo relativismo moral e isto favorece a difusão do satanismo".

Climati explicou que freqüentemente, os jovens são "vítimas de uma solidão terrível, da incomunicação e de situações familiares difíceis", e encontram no esoterismo uma "solução fácil e imediata para os seus problemas", e o confundem com um jogo. "Nos últimos anos os jovens sofreram uma espécie de lavagem de cérebro que os empurra a não ter medo do mundo do ocultismo", indicou.

O autor explicou à ACI Prensa que certa "música rock pode ser considerada 'diabólica' ou anti educativa", e pode resultar "uma ponte entre o adolescente e o culto ao diabo".

O "rock satânico", disse, "reconhece-se facilmente pelos textos violentos e anti-cristãos", e "pelas capas dos CDs que oferecem imagens sanguinárias e blasfemas", disse o perito.

Do mesmo modo, considerou que a Internet e o meios de comunicação são freqüentemente perigosos para os "jovens psicologicamente frágeis", que se divertem praticando "ritos que inventam depois de ter navegado na Internet ou depois da leitura de qualquer livro esotérico", "infelizmente, às vezes, pode-se chegar a cometer atos de violência ou assassinato".

Climati é responsável pelo escritório de imprensa do Ateneu Pontifício Regina Apostolorum, e recentemente participou do curso "Exorcismo e oração de libertação", celebrado em Roma com o patrocínio da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e da Congregação para o Clero.

No curso se deu a jovens sacerdotes ferramentas para que apóiem as famílias e diferenciar entre um modo rigorosamente científico o exorcismo como tema espiritual e teológico do fenômeno do satanismo, vinculado a aspectos mais sociais.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Mensagem do Dia

"Jesus é a consolação dos bons e o terror dos maus." (Padre Pio de Pietrelcina)

Exercícios quaresmais Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo

BELO HORIZONTE, domingo, 10 de abril de 2011 (ZENIT.org) - Apresentamos artigo do arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, divulgado à imprensa na sexta-feira, intitulado ‘Exercícios Quaresmais'.
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Os exercícios quaresmais, na vivência litúrgica que a Igreja Católica oferece como preparação para a celebração da Páscoa do Senhor Jesus, o Salvador do mundo, são riquezas de um caminho que constituem uma das páginas insubstituíveis na qualificação da vida de todos. Esses exercícios trazem consequências e resultados mais fecundos na participação de cada pessoa na grande teia da cidadania, que cada um, em conjunto com outros, ajuda a tecer e manter. Exercícios que conquistam a saúde do corpo são indispensáveis, essa demanda gera na atualidade uma verdadeira indústria de serviços, que traz benefícios variados para além da questão estética, muitas vezes buscada de maneira superficial na velocidade efêmera da vida que passa. É preciso também o suporte e a articulação com o que tece e sustenta a interioridade, o que está na mente e no coração. Com o que eiva a constituição cerebral de cada um com entendimentos, sentimentos e vivências. Propriedades de alimentar as transmissões que ali se operam para garantir, além do bem estar, uma postura qualificada e madura diante da vida e na condução cotidiana.
Saúde não é apenas condição física. A interioridade é coluna mestra que a sustenta, uma coordenação articulada de energias e a constituição de vínculos e ligações que abrem a vida para a transcendência, para o infinito do amor de Deus. E, também, para cada outro, dando sentido ao viver, ao serviço que se presta e ao gosto de amar e comprometer-se com a vida de todos. Os exercícios quaresmais, na bimilenar tradição espiritual e litúrgica da Igreja Católica, à medida que são seguidos e vivenciados, propiciam conquistas que não se alcançam por outros caminhos e metodologias. Especial menção merece a busca da própria identidade e dos valores pessoais, pois ela alimenta a consistência indispensável enquanto constituição da fonte que sustenta o viver a cada dia, não permite perder o rumo da vida. Trata-se de uma qualificação da existência que faz das pessoas um instrumento da paz, em razão da profunda ligação e intimidade cultivadas com o Senhor Único da vida. Nada é mais precioso!
No Sermão da Montanha, o evangelista Mateus (capítulos 5 a 7) relata regras de ouro que Jesus ensina aos seus discípulos, em vista de uma vida qualificada e vivida com gosto e proveito. O Mestre inclui na dinâmica dos exercícios que qualificam o discípulo a indicação da prática da esmola, da oração e do jejum. Na verdade, Jesus não propõe a prática de simples gestos descomprometidos. A esmola, mais do que a disponibilização do supérfluo, como muitas vezes se entende e pratica, aponta como significação o compromisso com a vida de todos - especialmente a dos pobres e dos miseráveis. Esse comprometimento implica uma compreensão da realidade que gera posturas cidadãs para traduzi-las em empenhos com causas e projetos. Define prioridades e dá, a quem se dispõe, a condição de porta-voz para fazer valer o direito de todos e a cabível opção preferencial pelos que precisam mais. A esmola é um gesto de partilha localizado na atitude de quem compreende seu compromisso de defender a vida, de forma incondicional, em todas as suas etapas, e trabalhar sem descanso para promovê-la. Suscita uma visão social e política da mais alta qualidade por colocar à luz da presença de Deus, o outro, particularmente o pobre, que não tem o necessário, é enfermo, excluído ou sofredor, como centro de preocupações e de reverências.
Jesus inclui, ainda, na dinâmica desse exercício de qualificação da existência e do dom da vida, o jejum. Certamente parece obsoleta essa atitude, num tempo de tanta fartura, de desperdícios, contracenando com um mundo de pelo menos um bilhão de famintos. Jejuar é um exercício de correção de costumes e hábitos que nos levam a tratar o alimento com respeito, nos motiva a repartir nosso bocado com quem tem fome, superando a gula que despersonaliza e fomenta irracionalidades. É ainda um exercício que dá a temperança indispensável para não cairmos nos exageros da corrupção, dos apegos nascidos da voracidade que põem o indivíduo diante das coisas e dos bens.
Na riqueza das considerações possíveis das muitas vivências dos exercícios quaresmais há um verdadeiro tratado de ciência do bem viver e de qualificação da existência, que repercute na vida: a importante prática da oração. Essa indicação sábia de mestre a discípulos já foi pensada como hábito piegas. Aberturas e interesses por milenares práticas meditativas são sinais de que a cultura ocidental precisa e pode revisitar os tesouros de sua herança cristã, de modo a entendê-la, como no dizer de um autor do século quarto: "a oração é a luz da alma". E adorná-la com modéstia e a luz resplandecente da justiça, temperando a conduta do orante com o sal do amor de Deus.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

Mensagem do Dia

"Jesus está quase sempre sozinho no tabernáculo. Faça-Lhe um pouco de companhia." (Padre Pio de Pietrelcina)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Ver além das tribulações - Padre Fabrício

V DOMINGO DA QUARESMA - Liturgia da Palavra: Eu sou a ressurreição e a vida

Liturgia da Palavra: 
Por Dom Emanuele Bargellini, Prior do Mosteiro da Transfiguração
SÃO PAULO, quinta-feira, 7 de abril de 2011 (ZENIT.org ) - Apresentamos o comentário à liturgia do próximo domingo – V da Quaresma Ez 37, 12-14; Rm 8, 8-11; Jo 11, 1- 45 – redigido por Dom Emanuele Bargellini, Prior do Mosteiro da Transfiguração (Mogi das Cruzes - São Paulo). Doutor em liturgia pelo ‘Pontificio Ateneo Santo Anselmo’ (Roma), Dom Emanuele, monge beneditino camaldolense, assina os comentários à liturgia dominical, às quintas-feiras, na edição em língua portuguesa da Agência ZENIT.
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DOMINGO V DE QUARESMA
Leituras: Ez 37, 12-14; Rm 8, 8-11; Jo 11, 1- 45

Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá.... Crês nisto?  Respondeu ela: “Sim, Senhor, creio firmemente que tu és o messias, o filho de Deus, o que  há de vir ao mundo” (Jo 11, 24).
A complexa narração da morte e ressurreição de Lázaro converge, tendo-o como seu cume, rumo a esta suprema revelação de Jesus e à sublime confissão de fé de Marta. É o ponto de chegada do longo caminho que desvela progressivamente o coração de Jesus sobre si mesmo e sobre a vida plena que ele vai doar no Espírito do Pai, aos que acreditam nele. Constitui também o ponto de chegada da fatigosa abertura dos que, aos poucos, se tornam “discípulos” de verdade, até proclamar a fé plena em Jesus, messias, filho de Deus e salvador de todos. É a meta da caminhada dos catecúmenos, através das fases preparatórias da iniciação cristã, assim como da redescoberta do próprio batismo e da renovada conversão ao Senhor por parte dos fieis.
Na verdade, a primeira pessoa a sair do túmulo da dor, da profunda decepção, provocada pelo atraso e a falta de socorro no momento esperado, por parte do tão querido e potente amigo Jesus, é Marta. “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas mesmo assim, eu sei que o que pedires a Deus, ele te concederá” (11, 21-22). Ela confia no poder que Jesus tem, dada a sua relação profunda com o Pai, e proclama a sua fé nele. Seguindo a solicitação de Jesus, ela passa da crença na ressurreição dos mortos no fim dos tempos à experiência pessoal da ressurreição interior, pela adesão total a Jesus. Ela se torna o modelo do caminho da fé do verdadeiro discípulo, e testemunha antecipada da páscoa, à qual o discípulo é chamado a partilhar com o Mestre.
Para todos os protagonistas aparece como incompreensível o aparente descuido de Jesus no que diz respeito ao pedido de socorro enviado pelas duas irmãs em nome do amor que vincula o próprio Jesus a Lázaro e a elas: “Senhor, aquele que amas está doente” (Jo 11,3). João parece destacar expressamente esta incongruência, ao sublinhar que Maria era “aquela que ungira com perfume e enxugara os pés dele com seus cabelos”, no gesto de puro amor que preanunciava a páscoa de Jesus (Jo 11,2; cf 12, 1-11).
Desde o início da narração evangélica está emergindo que os tempos e as modalidades da atuação de Deus na vida, assim como nos acontecimentos, nas pessoas, nas famílias, nas comunidades eclesiais, na história, permanecem envoltos para nós no mistério; estão como que subtraídos aos nossos cálculos humanos.
Quando Jesus, desconcertando os presentes, declara abertamente que Lázaro está morto, eis aparecer a luz inesperada que desvela o sentido profundo do acontecimento: a doença do amigo ao fim não é destinada à morte, mas é uma oportunidade para manifestar a potência de Deus, glorificar o Filho e despertar a fé dos discípulos. “Essa doença não leva à morte; ela serve para a glória de Deus, para que o Filho seja glorificado por ela” (11,4).  “Lázaro está morto. Mas por causa de vós, alegro-me por não ter estado lá, para que creiais” (11,15). Na cura do cego de nascença Jesus tinha destacado na mesma maneira que a doença dele não era devida ao pecado de alguém, mas pelo contrário, era uma oportunidade para se manifestar a potência de Deus que salva (Jo 10, 3). Manifestar a glória de Deus e a identidade messiânica de Jesus, e despertar nas pessoas a fé em Jesus que salva, eis o sentido dos “sinais” que acompanham a missão de Jesus de Caná até à cruz. Ao discípulo cabe seguir o caminho dos sinais passo a passo, para entrar em profunda comunhão com Jesus.
Na atitude de Jesus para com Marta e Maria e na pedagogia que ele usa para com os discípulos e com o povo, somos convidados a reconhecer a constante pedagogia com a qual Deus acompanha nosso caminho pessoal e nos orienta para crescer na fé e na liberdade do amor. “Senhor, se tivesses estado aqui.....”. Quantas de nossas leituras apressadas dos acontecimentos se refletem nestas palavras de Marta e de Maria! (cf 11, 32). E quantas de nossas queixas apaixonadas e doloridas elas interpretam! O “silêncio” de Deus frente às injustiças, aos mal-entendidos, aos perigos extremos, continuam fazendo parte do drama e das esperanças do homem e da mulher de todos os tempos. Razão de escândalo e de possível ressurreição, de rebelião e de passagem do nível humano ao da misteriosa sabedoria de Deus. O salmista se faz intérprete autorizado de todos nós: “Deus, não fiques calado, não fiques em silêncio e imóvel, ó Deus” (Sl 83,1).
Lázaro está morto. Mas por causa de vós, alegro-me por não ter estado lá, para que creiais”! É preciso lembrar que a narração da morte e da ressurreição de Lázaro introduz diretamente na narração da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Para ela converge, na sua estrutura literária assim como nas repetidas alusões veladas. O próprio Jesus vive o grande silêncio de Deus no horto das oliveiras e na cruz, e encontra resposta na misteriosa remoção da pedra do sepulcro.
No dia do Sábado Santo, o dia consagrado à meditação silenciosa do mistério de Jesus “descido à mansão dos mortos”, a Igreja nos fará acompanhar, com profunda emoção e fé, pelo silêncio no qual fica sepultado Jesus. Na solene vigília da noite, chegaremos a cantar com alegria a renovada fé de que em sua pessoa a vida venceu a morte: e junto com ele, também em nós a mesma vida vence nossa morte!
A austera pedagogia com a qual Jesus educa a fé dos discípulos e de Marta e Maria, assim como o poder divino de chamar o amigo Lázaro de volta da morte para a vida, exprimem-se através da mais intensa humanidade de Jesus. Ao ver chorar a amiga Maria, ele estremece interiormente, fica profundamente comovido e chora (11, 33-34.38). Que estupor e que consolo suscita este Jesus! Ele é o Verbo de Deus que habita na luz inacessível do Pai, e ao mesmo tempo, torna-se tão próximo a todas as nossas paixões, sofrimentos e alegrias!
Ele fica procurando uma amizade com homens e mulheres simples, gosta do convívio e das boas comidas por estes oferecidas, sabe prevenir as necessidades dos que o seguem, e até mesmo antecipar os pedidos dos que nem conseguem expressar o que passa no próprio coração. Cura e chama, para que se tornem seus discípulos e íntimos, marginalizados como Mateus e Zaqueu. Deixa-se tocar e ungir com carinho nos pés por uma prostituta na casa do zeloso fariseu. Pessoas, mortas em si mesmas e na consideração dos demais, são por ele chamadas novamente a viver, com palavras e gestos de solidariedade e de amor. Ele deixa transformar sua compaixão e seu pranto, e o das amigas Marta e Maria, num grito de amor que chama os mortos para reviverem novamente. “Lázaro, vem para fora!” (Jo 11,43). Ele fica repetindo seu grito animador para cada um de nós. Nosso nome está no seu coração e vibra no seu chamado silencioso.
O túmulo escavado na rocha guarda bem atados dentro de si não somente o corpo de Lázaro, mas também as expectativas de todos, a começar por Marta. Ela é indicada como a “irmã do morto”, não somente pela consanguinidade na carne, mas por estar morta no seu interior: “Senhor, já cheira mal. Está morto há quatro dias” (11,39). Jesus volta a propor seu desafio/promessa: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” (11,40). Antes de abrir o sepulcro de Lázaro, a fé abre o sepulcro do coração das pessoas, e Jesus, em comunhão com o Pai, abre caminhos para todos os que acreditam nele (11, 43).
Esta confiança na palavra de Jesus faz da ressurreição uma experiência que anima já o presente dos que acreditam em Jesus. Experiência que ressoa como canto cheio de esperança na voz da Igreja: “Nele brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição... Senhor, para os que crêem em vós, a vida não é tirada, mas transformada” (Prefácio I dos defuntos).
Desatai-o e deixai-o caminhar” (11, 44). Esta é a missão fundamental que Jesus entrega a seus amigos de todos os tempos. Partilhar com Jesus a missão de desamarrar as pessoas dos empecilhos que impedem viver e caminhar com as próprias pernas, na liberdade autêntica, como filhos e filhas de Deus. Libertar das correntes do pecado e das injustiças, mesmo quando estão escondidas sob o manto das observâncias religiosas, em pesadelos impostos pelos homens, ao invés de transmitir a energia libertadora da Palavra do Senhor. Jesus foi terrivelmente crítico com os falsos religiosos de todos os tempos (cf Mt 23,4), que põem fardos inúteis e pesados sobre os ombros das pessoas, enquanto pelo contrário seu jugo é leve (cf Mt 11, 29-30).
Desde os primeiros dias da Quaresma, a Igreja nos alertou contra este risco – mais concreto do quanto gostaríamos admitir – através das palavras do profeta Isaías: “Acaso o jejum que prefiro não é outro: quebrar as cadeias injustas, desligar, romper as amarras do jugo, tornar livres os que estão detidos, enfim, romper todo tipo de sujeição?” (Is 58, 6 – sexta-feira depois das Cinzas). Estamos contribuindo a desatar, ou a amarrar, a nós mesmos e aos nossos irmãos?
Todo empenho e toda contribuição oferecidos a pessoas necessitadas, para que elas voltem a caminhar com dignidade e liberdade na vida, é a realização da ordem apaixonada de Jesus para desatar Lázaro e deixá-lo caminhar. Quantas pessoas estão atuando a palavra de Jesus com generosidade, às vezes mesmo sem conhecê-lo!
Quem fica atuando assim vive segundo o Espírito do Senhor ressuscitado, o qual habita nele e o faz pertencer a Cristo de verdade, superando a lógica da afirmação de si mesmo; trata-se daquilo que o apóstolo chama de “carne” (2 Leitura, Rm 8, 9). Todo o cap. 8 da carta aos Romanos é um canto à vida do Espírito que atua “naqueles que estão em Cristo” pela fé e o batismo (8, 1).
O Espírito é o novo impulso vital que impele os discípulos de Jesus a viverem de fato como já partícipes da energia divina da sua ressurreição. Homens e mulheres que, embora atravessados ainda pelas dores do parto da nova criação, são animados pela esperança do seu cumprimento, e na totalidade da sua experiência humana aqui indicada com o termo “corpo”, guardam já o fermento da ressurreição futura e definitiva.
O profeta Ezequiel nos deixa vislumbrar a dimensão comunitária e histórica deste processo de ressurreição atuando no presente. Ele anuncia ao povo de Israel, sepultado como morto na experiência do exílio, que o Senhor vai tirá-lo desta trágica situação histórica, dando-lhe uma nova oportunidade inesperada de vida. A volta para a terra dos pais, a recuperação da liberdade política e a restauração do culto no templo reconstruído serão acompanhados por uma ressurreição ainda mais radical: a renovação interior promovida pelo seu Espírito. “Ó meu povo, vou abrir as vossas sepulturas e conduzir-vos para a terra de Israel... Porei em vós o meu espírito, para que vivais.... Então sabereis que eu, o Senhor, digo e faço” (1 leitura, Ez 37, 12-14).
Esta experiência de renovação total, interior e histórica, constitui para o povo de Deus redimido, ontem e hoje, a maneira de “conhecer” de verdade o Senhor, o infinitamente transcendente e o extremamente próximo e solidário para conosco. Ele se faz encontrar e conhecer como doador da vida, não somente nas doutrinas elaboradas no nível intelectual, nem nas alturas excepcionais das experiências místicas reservadas a poucos, mas também nas ambiguidades e nas trevas das angústias cotidianas assim como nos complicados acontecimentos da história.
É esta fé e experiência que nos fazem cantar com o salmista: “Das profundezas eu clamo a vós, Senhor, escutai a minha voz! Vossos ouvidos estejam bem atentos ao clamor da minha prece.... No Senhor ponho a minha esperança, espero em sua palavra. A minh’alma espera no Senhor mais que o vigia pela aurora” (Sal Responsorial – Sl 129, 1-2: 5

Pe. Cantalamessa: A caridade sem fingimento Terceira Prédica de Quaresma

CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 8 de abril de 2011 (ZENIT.org) - Apresentamos a terceira pregação de Quaresma à Cúria Romana, realizada nesta sexta-feira, em presença do Papa, pelo padre Raniero Cantalamessa, OFMCap.  
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Pe. Raniero Cantalamessa
Terceira Prédica de Quaresma
A CARIDADE SEM FINGIMENTO
1. Amarás o teu próximo como a ti mesmo
Um fato notável: o rio Jordão, no seu curso, forma dois mares – o mar da Galileia e o mar Morto. O mar da Galileia é borbulhante de vida, com águas das mais piscosas da terra. O mar Morto é precisamente “morto”: não há rastro de vida nem nele nem ao redor; somente sal. E se trata da mesma água do Jordão! A explicação, pelo menos em parte, é esta: o mar da Galileia recebe as águas do Jordão, mas não as retém para si; deixa fluírem, para irrigarem todo o vale do Jordão. Já o mar Morto recebe as águas e as retém para si, não tem efluentes, dali não sai uma gota. É um símbolo. Para receber o amor de Deus, devemos dá-lo aos irmãos, e, quanto mais damos, mais recebemos. É sobre isto que refletiremos nesta meditação.
Depois de refletir nas duas primeiras meditações sobre o amor de Deus como dom, é hora de meditarmos também sobre o dever de amar; e, em particular, sobre o dever de amar o próximo. O vínculo entre os dois amores é exposto de modo programático na palavra de Deus: “Se Deus nos amou tanto, nós devemos amar-nos uns aos outros” (1Jo 4,11).
“Amarás o próximo como a ti mesmo” era um mandamento antigo, escrito na lei de Moisés (Lev 19,18) e Jesus mesmo o cita como tal (Lc 10,27). Então como é que Jesus o chama de “seu” mandamento e de mandamento “novo”? A resposta é que mudaram o sujeito, o objeto e o motivo do amor ao próximo.
Mudou antes de tudo o objetoquem é o próximo que deve ser amado. Não é mais só o compatriota, ou o hóspede que habita em meio a nós, mas todos os homens, inclusive o estrangeiro (o samaritano!), inclusive o inimigo! É verdade que a segunda parte da frase “Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo” não se encontra ao pé da letra no Antigo Testamento, mas assume a sua orientação geral, expressa na lei de talião “Olho por olho, dente por dente” (Lev 24,20), ainda mais se confrontada com o que Jesus nos exige:
“Mas eu vos digo: amai os vossos inimigos e rezai por quem vos persegue, para serdes filhos do vosso Pai que está nos céus; pois ele faz nascer o sol sobre maus e bons, e chover sobre justos e injustos. Se amais os que vos amam, que mérito tendes? Não fazem o mesmo os publicanos? E se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Assim não agem também os pagãos?” (Mt 5, 44-47).
Mudou também o sujeito do amor ao próximo, o significado da palavra próximo. Não é o outro; sou eu. Não é quem está perto, mas quem se aproxima. Com a parábola do bom samaritano, Jesus demonstra que não devemos esperar passivamente que o próximo surja em nosso caminho, dando seta e de sirene ligada. O próximo é você, ou aquele que você pode se tornar. O próximo não existe de cara; só temos um próximo se nos aproximamos de alguém.
E mudou, mais do que tudo, o modelo ou a medida do amor ao próximo. Antes de Jesus, o modelo era o amor a si mesmo: “como a ti mesmo”. Foi dito que Deus não podia amarrar o amor ao próximo numa estaca melhor que esta; não teria atingido o mesmo resultado nem se tivesse dito “Amarás o próximo como ao teu Deus”, porque quanto ao amor de Deus, ou seja, quanto ao que é amar a Deus, o homem ainda pode trapacear, mas quanto ao amor a si mesmo, não. O homem sabe perfeitamente o que significa, em qualquer circunstância, amar a si mesmo; é um espelho que está sempre diante dele [1].
Mas é possível enxergar mal até o amor a si mesmo. Por isso Jesus substitui o modelo e a medida por outro: “Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12). O homem pode amar a si mesmo do jeito errado, desejando o mal em vez do bem, o vício e não a virtude. Se um homem desses ama o próximo como a si mesmo e quer para ele o mesmo que quer para si, pobre de quem é amado! Já o amor de Jesus, sabemos aonde nos leva: à verdade, ao bem, ao Pai. Quem o segue “não anda nas trevas”. Ele nos amou dando a vida por nós, quando éramos pecadores, ou seja, inimigos (Rom 5,6).
Entende-se assim o que o evangelista João quer dizer com a afirmação aparentemente contraditória: “Caríssimos, não vos escrevo um mandamento novo, mas um mandamento velho, que tínheis desde o princípio: o mandamento velho é a palavra que ouvistes. E é, no entanto, um mandamento novo o que vos escrevo” (1Jo 2, 7-8). O mandamento do amor ao próximo é antigo na letra, mas novo pela novidade do evangelho. Novo, explica o papa num capítulo de seu mais recente livro sobre Jesus, porque não é mais só “lei”, mas também, e antes, “graça”. Funda-se na comunhão com Cristo, possível pelo dom do Espírito [2].
Com Jesus, passamos da lei do contrappasso, ou entre dois agentes (“O que o outro te faz, fá-lo a ele”) para a lei do trapasso, entre três agentes: “O que Deus te fez, fá-lo ao próximo”, ou, na direção oposta, “O que fizeres com o próximo, Deus fará contigo”. Jesus e os apóstolos repetem este conceito: “Como Deus vos perdoou, perdoai-vos uns aos outros”. “Se não perdoardes de coração aos vossos inimigos, nem vosso pai vos perdoará”. É cortada pela raiz a desculpa do “mas ele não me ama, me ofende”. Isto diz respeito a ele, não a você. A você interessa o que você faz ao outro e como você se comporta diante do que ele faz a você.
Resta a principal pergunta: por que esta singular mudança de rota do amor de Deus ao próximo? Não seria mais lógico “Como eu vos amei, amai a mim” em vez de “Como eu vos amei, amai-vos uns aos outros”? Pois esta é a diferença entre o amor puramente eros e o amor que é eros e ágape juntos. O amor puramente erótico é um circuito fechado: “Ama-me, Alfredo, ama-me como eu te amo”, canta Violeta na Traviata de Verdi: eu te amo, tu me amas. O amor de ágape é um circuito aberto: vem de Deus e volta a ele, mas passando pelo próximo. Jesus inaugurou ele próprio esse novo tipo de amor: “Como o Pai me amou, eu amei a vós” (Jo 15,9).
Santa Catarina de Sena deu sobre o motivo disto a explicação mais simples e convincente. Ela escreve o que considera que Deus quer:
“Eu vos peço amar-me com o mesmo amor com que vos amo. Mas não podeis, já que vos amei sem ser amado. Todo o amor que me tendes é de dívida, não de graça, porque devestes amar-me, enquanto eu vos amo com amor de graça, e não de dívida. Não podeis, pois, dar a mim o amor que vos peço. Eis por que vos pus ao lado o vosso próximo: para lhe fazerdes o que a mim não podeis, que é amá-lo sem consideração de mérito nem à espera de utilidade. E considero que fazeis a mim o que fizerdes a ele” [3].
2. Amai-vos de coração sincero
Depois destas reflexões gerais sobre o mandamento do amor ao próximo, é hora de falar das qualidades que devem revestir esse amor. São fundamentalmente duas: deve ser um amor sincero e um amor de fato, um amor do coração e das mãos. Desta vez nos ateremos à primeira qualidade, deixando-nos guiar pelo grande cantor da caridade, que é Paulo.
A segunda parte da Carta as Romanos é um subseguir-se de recomendações sobre o amor recíproco na comunidade cristã. “A caridade não seja fingida [...]; amai-vos uns aos outros com afeto fraterno, esforçai-vos no recíproco estimar-se...” (Rm 12, 9). “Não devais a ninguém, senão um amor mútuo, porque quem ama seu semelhante cumpriu a lei” (Rm 13,8).
Para captar a alma unificante destas recomendações, a ideia de fundo, ou melhor, o “sentimento” que Paulo tem da caridade, temos que partir da palavra inicial: “A caridade não seja fingida!”. Esta não é uma das muitas exortações, mas a matriz de que derivam todas as outras. Contém o segredo da caridade. Procuremos captar, com a ajuda do Espírito, esse segredo.
O termo original usado por São Paulo, e traduzido como “sem fingimento”, é an-hypòkritos: “sem hipocrisia”. Este vocábulo é uma espécie de luz indicadora; é um termo raro, que achamos no Novo Testamento quase exclusivamente para definir o amor cristão. A expressão “amor sincero” (an-hypòkritos) volta em 2 Cor 6,6 e em 1 Pd 1,22. Este último texto permite notar, com toda a certeza, o significado do termo em questão, porque o explica com uma perífrase: o amor sincero, diz, consiste no amar-se intensamente com sincero coração.
São Paulo, então, com aquela simples afirmação, “a caridade não seja fingida”, leva o tema até a própria raiz da caridade: o coração. O que se pede do amor é que seja verdadeiro, autêntico, não fictício. Como o vinho, para ser “sincero”, precisa ser espremido da uva, assim o amor precisa vir do coração. Também nisso o Apóstolo é o eco fiel do pensamento de Jesus, que indicou o coração, repetidamente e com força, como o “lugar” em que se determina o valor do que o homem faz, o que é puro ou impuro, na vida de uma pessoa (Mt 15,19).
Podemos falar de uma intuição paulina a respeito da caridade; ela consiste em revelar, por trás do universo visível e exterior da caridade, feito de obras e palavras, outro universo todo interior, que é, em comparação com o primeiro, o que a alma é para o corpo. Revemos esta intuição no outro grande texto sobre a caridade, que é 1 Cor 13. São Paulo, se observamos bem, está falando da caridade interior, das disposições e sentimentos de caridade: a caridade é paciente, é benigna, não é invejosa, não se irrita, tudo releva, tudo crê, tudo espera... Nada que se refira, em si e diretamente, ao fazer o bem, ou às obras de caridade, mas à raiz doquerer bem. A benevolência vem antes da beneficência.
É o Apóstolo mesmo quem explicita a diferença entre as duas esferas da caridade, dizendo que o maior ato de caridade exterior – o de repartir com os pobres todos os próprios bens – não serviria de nada sem a caridade interior (cf. 1 Cor 13,3). Seria o oposto da caridade “sincera”. A caridade hipócrita, de fato, é justo a que faz coisas boas sem querer bem; que mostra por fora o que não tem correspondência no coração. Neste caso, temos uma pequenez da caridade, que no fim pode ser disfarce de egoísmo, da busca de si mesmo, instrumentalização do irmão ou simples remorso de consciência.
Seria um erro fatal contrapor a caridade do coração à dos fatos, ou refugiar-se na caridade interior para achar nela uma espécie de álibi da falta de caridade nas obras. No mais, dizer que, sem a caridade, “nada adianta dar tudo aos pobres” não significa que isto não sirva para ninguém e seja inútil. Significa, sim, que não serve de nada “para mim”, mas pode ajudar o pobre que a recebe. Não se trata, portanto, de atenuar a importância das obras de caridade (veremos isto na próxima vez), mas de garantir que elas tenham fundamento firme contra o egoísmo e as suas astúcias infinitas. São Paulo quer que os cristãos sejam “enraizados e fundados na caridade” (Ef 3,17): que o amor seja a raiz e o fundamento de tudo.
Amar sinceramente quer dizer amar com esta profundidade, num grau em que você não pode mentir, porque está sozinho diante de si mesmo, do espelho da sua consciência, sob o olhar de Deus. “Ama o irmão”, escreve Agostinho, “aquele que, perante Deus, onde só ele vê, confirma o seu coração e se pergunta no íntimo se em verdade age por amor do irmão; e o olhar que penetra o coração, onde o homem não consegue enxergar, lhe rende testemunho” [4]. Era sincero, portanto, o amor de Paulo pelos hebreus se ele podia dizer: “Eu digo a verdade em Cristo, não minto; pois a minha consciência o confirma por meio do Espírito Santo; trago no peito grande tristeza e sofrimento contínuo; quisera eu mesmo ser anátema, separado de Cristo, por amor de meus irmãos, meus parentes segundo a carne” (Rm 9, 1-3).
Para ser genuína, a caridade cristã deve partir de dentro, do coração. E as obras de misericórdia, “das vísceras da misericórdia” (Col 3,12). Devemos, porém, precisar que se trata aqui de algo bem mais radical que a simples “interiorização”, que um mero acentuar mais a prática interna da caridade do que a externa. Este é só o primeiro passo. A interiorização se aproxima da divinização! O cristão, dizia São Pedro, é quem ama “de coração sincero”. Mas com que coração? Com “o coração novo e o Espírito novo” recebidos no batismo.
Quando um cristão ama assim, é Deus quem ama através dele; ele se torna um canal do amor de Deus. Acontece como pela consolação, que não é mais que uma modalidade do amor: “Deus nos consola em toda nossa tribulação para podermos nós também consolar os que sofrem todo tipo de aflição com a mesma consolação com que somos consolados por Deus” (2 Cor 1,4). Nós consolamos com a consolação com que somos consolados por Deus, amamos com o amor com que somos amados por Deus. Não com outro. Isto explica a ressonância, aparentemente desproporcionada, de simplíssimos atos de amor, tantas vezes até escondidos, e toda a esperança e luz que eles criam ao seu redor.
3. A caridade edifica
Quando se fala da caridade nos escritos apostólicos, nunca se fala em abstrato, de modo genérico. O fundo é sempre a edificação da comunidade cristã. Em outras palavras, o primeiro âmbito de exercício da caridade tem que ser a Igreja e, mais concretamente, a comunidade em que se vive, as pessoas com que se têm relações cotidianas. Assim deve ser hoje ainda, em particular no coração da Igreja, entre os que trabalham em contato estreito com o Sumo Pontífice.
Durante certo tempo, na antiguidade, designou-se com o termo caridade, ágape, não só a refeição fraterna que os cristãos faziam juntos, mas também a Igreja inteira [5]. O mártir Santo Inácio de Antioquia saúda a Igreja de Roma como a que “preside a caridade (ágape)”, ou seja, a “fraternidade cristã”, no conjunto de todas as igrejas [6]. Esta frase não afirma só o fato do primado, mas também a sua natureza, o modo de exercê-lo: na caridade.
A Igreja tem necessidade urgente de uma camada de caridade que restaure as suas fraturas. Paulo VI dizia num discurso: “A Igreja precisa sentir refluir por todas as suas faculdades humanas a onda do amor, daquele amor que se chama caridade, e que se difunde em nossos corpos por obra do Espírito Santo dado a nós” [7].  Só o amor cura. É o óleo do samaritano. Óleo também porque tem que flutuar acima de tudo, como o óleo sobre os líquidos. “Acima de tudo esteja a caridade, vínculo da perfeição” (Col 3,14). Acima de tudo, super omnia. Portanto, acima da fé e da esperança, da disciplina, da autoridade, ainda que, evidentemente, as próprias disciplina e autoridade podem ser uma expressão da caridade. Não há unidade sem caridade, e, se houvesse, seria uma unidade de pouco valor para Deus.
Um âmbito importante em que trabalhar é o dos julgamentos mútuos. Paulo escrevia aos Romanos: “Por que julgas o teu irmão? Por que desprezas o teu irmão? Deixemos de julgar-nos uns aos outros” (Rm 14, 10.13). Antes dele, Jesus tinha dito: “Não julgueis, para não serdes julgados. [...] Por que observas o cisco no olho do teu irmão e não vês a trave no teu?” (Mt 7, 1-3). Compara o pecado do próximo (o pecado julgado), seja qual for, a um cisco, diante do pecado de quem julga (o pecado de julgar), que é uma trave. A trave é o próprio fato de julgar, tão grave ele é perante Deus.
O discurso sobre julgamentos é delicado e complexo. Se ficar pela metade, parece pouco realista. Como é que se pode viver sem julgar nunca? O juízo é implícito em nós até num olhar. Não podemos observar, escutar, viver, sem fazer avaliações, ou seja, sem julgar. Um pai, um superior, um confessor, um juiz, qualquer um que tenha responsabilidade sobre outros, precisa julgar. Às vezes, até, como é o caso de muitos aqui na cúria, o julgar é, precisamente, o tipo de serviço que se é chamado a prestar à sociedade ou à Igreja.
Realmente, não é tanto o julgar que deve ser extirpado do nosso coração, mas o veneno do nosso julgar! O rancor, a condenação. Na redação de Lucas, o mandado de Jesus “Não julgueis e não sereis julgados” é seguido imediatamente, como para explicitar o sentido destas palavras, pelo mandado “Não condeneis e não sereis condenados” (Lc 6,37). Em si, julgar é uma ação neutra. O juízo pode terminar tanto em condenação quanto em absolvição e justificação. São os juízos negativos os que a palavra de Deus reprime e elimina, aqueles que condenam o pecador junto com o pecado, aqueles que olham mais para a punição do que para a correção do irmão.
Outro ponto qualificador da caridade sincera é a estima: “Lutai para vos estimardes mutuamente” (Rm 12,10). Para estimar o irmão, é preciso não estimar demais a si mesmo, não ser sempre seguro de si. É preciso, diz o Apóstolo, “não ter uma visão alta demais de si próprio” (Rm 12,3). Quem tem uma ideia muito alta de si mesmo é como um homem que, à noite, tem diante dos olhos uma fonte de luz intensa: não consegue ver nada além dela; não consegue ver a luz dos irmãos, seus dotes e seus valores.
“Minimizar” deve se tornar o nosso verbo preferido nas relações com os outros: minimizar os nossos destaques e minimizar os defeitos alheios. Não minimizar os nossos defeitos e os destaques alheios, como somos tantas vezes levados a fazer; é diametralmente o oposto! Há uma fábula de Esopo a este respeito; reelaborada por La Fontaine, ela diz assim:
“Ao chegar a este vale, cada um traz ao ombro um duplo embornal. Dentro do embornal dianteiro, lança prazenteiro os defeitos do próximo, enquanto no outro lança os próprios” [8].
Deveríamos inverter: lançar os nossos próprios defeitos na sacola que temos à nossa frente, e os defeitos dos outros deixá-los na sacola que fica para trás. São Tiago admoesta: “Não faleis mal uns dos outros” (Tg 4,11). A fofoca parece ter virado coisa inocente, mas é uma das que mais poluem a vida em grupo. Não basta não falar mal dos outros; precisamos também impedir que os outros o façam em nossa presença; fazê-los notar, mesmo que silenciosamente, que não estamos de acordo. Como é diferente o ar que respiramos num ambiente de trabalho ou numa comunidade quando levamos a sério a admoestação de São Tiago! Em muitos locais públicos está escrito “Aqui não se fuma”. Antigamente havia até alguns avisos de “Aqui não se blasfema”. Não faria mal acrescentar, em alguns casos, “Aqui não se fofoca”.
Terminemos ouvindo como dirigida a nós mesmos a exortação do Apóstolo à comunidade dos filipenses, tão amada por ele: “Tornai plena a minha alegria cultivando um só pensar, um mesmo amor, sendo unânimes e nutrindo um só sentimento. Nada façais por espírito de separação ou por vanglória, mas, com humildade, cada um repute os outros superiores a si mesmo, procurando não o próprio interesse, mas o do próximo. Tende em vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus” (Fil 2, 2-5).
[Traduzido do original italiano por ZENIT]
Notas:
1. Cf. S. Kierkegaard, Os atos do amor, versão italiana, Milão, Rusconi, 1983, p. 163.
2. Bento XVI, Jesus de Nazaré, II Parte, Livraria Editora Vaticana, 2011, p. 76.
3. S. Catarina de Sena, Diálogo 64.
4. S. Agostinho, Comentário à Primeira Carta de João, 6,2 (PL 35, 2020).
5. Lampe, A Patristic Greek Lexicon, Oxford 1961, p. 8
6. S. Inácio de Antioquia, Carta aos Romanos, saudação.
7. Audiência geral de 29 de novembro de 1972 (Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, X, pp. 1210).
8. J. de La Fontaine, Fábulas, I, 7

quinta-feira, 7 de abril de 2011

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Homilia Diária - 06/04/2011 - "É necessário praticar o bem todos os dias!"


Vocês viram que, ontem, o Evangelho terminou com a firme decisão dos fariseus de matar Jesus. O Evangelho de hoje é a continuação do de ontem.
Os fariseus não aceitam Jesus como Filho de Deus. Mas por que eles querem matá-Lo? Lembre-se de que o Senhor havia curado aquele paralítico no dia de sábado, conforme nos explicou o Evangelho do dia anterior. Para bem entendermos isso, precisamos ir até o livro do Gênesis, no momento da narração da criação. Ali, está a palavra-chave para nossa compreensão: descansou. Deus descansou no sétimo dia, após ter criado todas as coisas. O sábado, portanto, é um dia sagrado para os judeus, um dia de repouso, tendo em vista que o próprio Deus descansou neste dia.
Para os judeus, quem faz qualquer coisa nesse dia [sábado], inclusive curar, infringe a Lei. E o Senhor afirma que “Meu Pai trabalha sempre, portanto também eu trabalho”. Os judeus, diante dessa afirmação, querem matá-Lo porque, além de violar o sábado, Ele se considera igual a Deus e, para eles, não existia o “Filho”, mas somente Deus, o Pai. Naquele tempo, eles não tinham esse conhecimento sobre a Santíssima Trindade, como nós temos hoje em dia.
Jesus não “descansa” da obra da Salvação. Existem pessoas que querem “tirar férias” de Deus durante o período das férias: não participam da Santa Missa, não rezam, não leem a Palavra e assim por diante. Mas o Senhor não para: Ele continua atualizando Sua Salvação em cada Santa Missa, que é celebrada.
Em verdade, em verdade, eu vos digo: está chegando a hora, e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viverão”. Há muitos “mortos-vivos” por aí. Pessoas que não acreditam em Jesus Cristo. E nós que somos batizados precisamos refletir se a nossa vida está de acordo com a nossa fé. Não basta levantar o braço e dizer que “Jesus é o Senhor da minha vida”. É preciso, nesta Quaresma, rever as próprias atitudes e perceber se elas condizem com a fé que proclamamos!
Jesus fez o bem em dia de sábado. E por causa disso Ele está condenado? Não. De jeito nenhum! Pelo contrário: o bem deve ser feito todos os dias. Não apenas no sábado. Mas também no domingo, na segunda-feira, na terça-feira, enfim, sempre.
Faça o bem. Faça a sua parte. E se o outro não quiser, não importa. Pratique o bem mesmo assim. Fazer o bem também cansa, às vezes. Principalmente quando este bem que praticamos não é reconhecido. Mas não se preocupe em ser “aplaudido” pelas pessoas. Se olharem para o bem que você faz, tudo bem. Mas se ninguém reconhecer este bem, saiba que o mais importante é continuar praticando-o até que o Senhor volte em Sua glória ou nos chame para estarmos com Ele na Eternidade.
Homilia de padre José Augusto durante a Santa Missa do dia 6 de abril de 2011, às 7 h na Canção Nova

Processo de beatificação de João Paulo II foi normal (1) Fala o postulador da causa do Papa polonês

ROMA, terça-feira, 5 de abril de 2011 (ZENIT.org) - O processo de canonização de Karol Wojtyla cumpriu todos os requisitos canônicos que são necessários em qualquer processo desse tipo. A única dispensa que houve foi a de não esperar cinco anos para a sua introdução.
O fundamental é que o milagre necessário para a beatificação teve lugar quase que imediatamente, alguns meses após morte do Papa.
Quem explica é Mons. Slawomir Oder, postulador da causa de beatificação de João Paulo II, nesta entrevista a ZENIT, quem descreve o processo como "uma belíssima aventura" pessoal.
A segunda parte será publicada no boletim de amanhã.

ZENIT: De que maneira o senhor, como sacerdote, viveu este processo? Foi uma cruz, uma alegria? O que mudou, o que aconteceu?

Mons. Oder: Na perspectiva da Páscoa, a cruz é sempre o prelúdio da alegria. Em outro lugar não há verdadeira alegria, como é ensinado na transfiguração de Jesus, sem passar pela cruz. A tarefa dada a mim tinha seus aspectos pascais, ainda que somente fosse porque se sobrepôs o trabalho que realizo regularmente como vigário judicial à atividade pastoral que conduzo como reitor da igreja romana. Por isso, muitas coisas se juntaram nestes cinco anos, ocupando o meu dia a dia. Além disso, o próprio processo apresentava alguns elementos que exigiam um grande esforço, um grande envolvimento, inclusive no âmbito emocional. Para isso, não me faltaram momentos de dificuldade.
ZENIT: Todos concordam em que João Paulo II seja um santo e, portanto, o processo de canonização parecia quase um passeio. No entanto, o Papa pediu que se seguisse o processo normal.  Apesar disso, as pessoas estão um pouco confusas, porque também foi dito que há uma via preferencial e os tempos foram rápidos. No caso de João Paulo II, houve um processo normal?
Mons. Oder: Absolutamente, sim. A única exceção que se obteve para esse processo foi dispensa da espera de cinco anos para iniciá-lo. Mas o próprio processo evoluiu, com certeza, seguindo as normas canônicas, com todos os critérios que existiram para outros processos canônicos. Por isso, não houve nenhuma verdadeira dispensa, uma via preferencial, neste sentido. No entanto, o que podemos dizer é que a práxis da Congregação é levar adiante as causas que, para além das virtudes heroicas, já têm o milagre, pois são dois processos diferentes. Normalmente, na Congregação, o processo se desenvolve da seguinte forma: realiza-se a investigação diocesana, tramita-se a documentação para a Congregação para as Causas dos Santos, onde se prepara a ‘positio', para então ser submetida à discussão dos teólogos e cardeais. E a ‘positio' espera, pois é necessário um milagre.
A ‘positio' foi levada adiante e imediatamente submetida à discussão dos teólogos e cardeais porque o milagre que deveria acreditar a causa aconteceu muito rápido, e o processo sobre o milagre foi depositado na Congregação para as Causas dos Santos um dia antes do processo sobre as virtudes; isso, de alguma maneira, facilitou a possibilidade de seguir adiante.
ZENIT: Quanto tempo passou desde a morte de João Paulo II até a apresentação do milagre?
Mons. Oder: O milagre, reconhecido como tal, aconteceu em julho do mesmo ano.
ZENIT: E quanto tempo passou até ser reconhecido?
Mons. Oder: Nós concluímos o processo em 2007, e o do milagre foi apresentado um dia antes do encerramento da investigação diocesana sobre as virtudes. Então, estamos falando de junho de 2007.
ZENIT: Foram apresentados outros milagres?
Mons. Oder: Houve muitas graças e outros supostos milagres. Destes, alguns foram investigados, porque é a prática habitual. Antes de realizar um estudo sobre o milagre, faz-se um estudo preliminar que, de certa forma, garante o próprio processo. Em alguns casos, investigamos e as premissas eram boas. Não se deu continuidade porque estava em andamento o processo sobre o milagre escolhido.
ZENIT: O senhor poderia nos dizer em que países se deram estas graças?
Mons. Oder: Aconteceram na França, Estados Unidos, Alemanha e Itália.

ZENIT: Foi necessária toda a pesquisa médica?

Mons. Oder: É um fato normal que, nos processos sobre os milagres, desenvolva-se uma investigação e que todo o material obtido seja submetido, em seguida, ao estudo de médicos; é óbvio que um médico pode pedir mais esclarecimentos, qualquer documento ou uma análise complementar. É muito normal. Foram realizadas todas as investigações consideradas oportunas pelos médicos envolvidos no processo.
ZENIT: O senhor descobriu coisas que não sabia de João Paulo II? Algum aspecto particular que o tornava diferente de sua imagem pública?
Mons. Oder: Já tive a oportunidade de comentar essas coisas. É claro que o processo foi uma belíssima aventura, porque nunca se conhece uma pessoa plenamente. E, por isso, muitos aspectos têm a ver com os detalhes da sua vida, das atividades e contatos que ele tinha com as pessoas. Mas eu diria que é uma aventura que poderia ocorrer em todas as pessoas, porque cada um é um mundo. No entanto, com relação ao que emergiu no processo de beatificação, não há elementos extraordinários. Wojtyla era, de fato, como nós o conhecemos em público. Por isso, não houve um desdobramento, mas uma perfeita transparência do personagem. Certamente, o processo trouxe à luz muitos aspectos.
ZENIT: Houve algo que lhe chamou a atenção, algo que o senhor não conhecia?
Mons. Oder: O que me impressionou, além de ser o aspecto mais importante, foi descobrir que a fonte, a origem dessa atividade extraordinária, dessa generosidade no agir, da profundidade do seu pensamento, era a relação com Cristo. Aqui se destaca, certamente, um homem místico. Um místico porque era um homem que vivia a presença de Deus, que se deixava guiar pelo Espírito Santo, que estava em constante diálogo com o Senhor, que organizou sua vida em torno da pergunta: "Tu me amas?". Assim, sua vida foi a resposta a esta pergunta essencial do Senhor. Por isso, acho que este aspecto é o maior tesouro do processo.

Mensagem do Dia

Que o Coração de Jesus seja seu sustento e conforto em todas as tribulações." (Padre Pio de Pietrelcina)