sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Pregador do Papa: Resposta cristã ao cientificismo ateu. Primeira Pregação do Advento (Parte IV)

4. A força da verdade
Vejamos como se poderia traduzir esta visão cristão da relação homem-universo no campo da evangelização. Primeiro, um prefácio. Resumindo o pensamento do mestre, um discípulo de Dionísio Areopagita enunciou esta grande verdade: "Não se deve refutar a opinião dos outros, nem se deve escrever contra uma opinião ou religião que não parece boa. Se deve escrever só a favor da verdade e não contra os outros" [15].
Não se pode absolutizar este princípio (às vezes pode ser útil e necessário refutar doutrinas falsas), mas é certo que a exposição positiva da verdade é, muitas vezes, mais eficaz que a refutação do erro contrário. É importante, creio, tomar em conta este critério na evangelização e especialmente no confronto com os três obstáculos mencionados anteriormente: cientificismo, secularismo e racionalismo. Na evangelização, é mais eficaz que a polêmica contra eles, a exposição pacífica da visão cristã, contando com a força inerente desta quando acompanhada de profunda convicção e feita, como incutia São Pedro, "com doçura e respeito" (1 Pe 3, 16).
A maior expressão da dignidade e da vocação do homem, segundo a visão cristã, foi cristalizada na doutrina da deificação do homem. Esta doutrina não teve tanta importância na Igreja Ortodoxa quanto na latina. Os Padres gregos, superando todos custos que o uso de pagão tinha acumulado sobre o conceito de deificação (theosis), fizeram dele o centro de sua espiritualidade. A teologia latina tem insistido menos sobre ela. "O propósito da vida para os cristãos gregos - lê-se  no Dictionnaire des Spiritualitè - é a divinização, o que para os cristãos do Ocidente é a aquisição da santidade... O Verbo se fez carne, de acordo com os gregos, para devolver ao homem semelhança de Deus perdida em Adão e para divinizá-lo. Para os latinos, ele se fez homem para redimir a humanidade... e para pagar a dívida com a justiça de Deus" [16]. Poderíamos dizer, simplificando ao máximo, que a teologia latina, depois de Agostinho, insiste sobre o que Cristo veio tirar - o pecado -, e a grega insiste mais sobre o que ele veio dar aos homens: a imagem de Deus, o Espírito Santo e a vida divina.
Não se deve forçar demais esta oposição, como às vezes tendem a fazer alguns autores ortodoxos. A espiritualidade latina, por vezes, expressa o mesmo ideal ainda que evite o termo divinização, que, é bom lembrar, é estranho à linguagem bíblica. Na liturgia das horas da noite de Natal, vamos ouvir a vibrante exortação de São Leão Magno, que expressa a mesma visão da vocação cristã: "Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez constituído participante da natureza divina, não penses em voltar às antigas misérias da tua vida passada. Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro" [17].
Infelizmente, alguns autores ortodoxos mantiveram-se firmes à controvérsia do século XIV, entre Gregório Palamas e Barlaam, e parecem ignorar a rica tradição mística latina. A doutrina de São João da Cruz, por exemplo, de que os cristãos, redimidos por Cristo e tornados filhos no Filho, estão imersos no fluxo das operações trinitárias e participam da vida íntima de Deus não é menos elevada que a da divinização, ainda que se expresse em termos diferentes. Também a doutrina sobre os dons da inteligência e da sabedoria  do Espírito Santo, tão cara a São Boaventura e autores medievais, estava animada pelo mesma inspiração mística.
Não pode, contudo, deixar de reconhecer que a espiritualidade ortodoxa tem algo a ensinar sobre este ponto ao resto da cristandade, à teologia protestante ainda mais do que à teologia católica. Se existe realmente alguma coisa verdadeiramente oposta à visão ortodoxa do cristão deficado pela graça é a concepção protestante, particularmente a luterana, da justificação extrínseca e legal de que o homem redimido é, "ao mesmo tempo,  justo e pecador", pecador em si mesmo, justo diante de Deus.
Acima de tudo, podemos aprender com a tradição oriental a não reservar esse ideal sublime da vida cristã a uma elite espiritual chamada a percorrer os caminhos da mística, mas oferecê-lo a todos os batizados, torná-lo objeto de catequese para o povo, de formação religiosa nos seminários e noviciados. Se volto a pensar nos meus anos de formação, me lembro de ter visto uma ênfase quase exclusiva na ascese que centrava tudo na correção de vícios e na aquisição da virtude. Quando perguntado pelos discípulos sobre o objetivo final da vida cristã, um santo russo, São Serafim de Sarov, respondeu sem hesitação: "A verdadeira finalidade da vida cristã é a aquisição do Espírito Santo de Deus. Quanto à oração, o jejum, vigílias, esmolas e outras boas obras feitas em nome de Cristo, são apenas meios para adquirir o Espírito Santo" [18].