quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Entendendo a Inquisição


Este assunto continua sendo uma das "armas" preferidas pelos que gostam de atacar a igreja, mesmo sem nenhum conhecimento de causa. E você, sabe o que foi a inquisição, e porque ela existiu?


Que imagens nos vêm à mente quando pensamos na palavra “Inquisição”? Confissões arrancadas sob tortura e pessoas inocentes sendo queimadas na fogueira, como hereges.

É comum ouvirmos graves acusações contra a Igreja toda vez que se toca nesse assunto. Muitos acham que a Igreja, se cometeu atrocidades no passado, não merece crédito hoje. E por desconhecer a história, muitos católicos não sabem o que responder. A primeira coisa a perguntar para quem critica a Igreja por conta da Inquisição é: que livro você leu sobre o assunto? - Muitas pessoas têm o péssimo hábito de afirmar coisas das quais ouviram falar, viram em algum filme ou leram numa revista sensacionalista. Não negamos que a Inquisição cometeu abusos, mas é preciso conhecer a verdade dos fatos antes de formar opinião. Neste artigo, buscamos lançar luz sobre a questão, com fundamento na história real.

Para começar a entender a questão, é fundamental conhecer o contexto mental, histórico, cultural e político da época. O maior de todos os erros ao se analisar este assunto é querer julgar fatos ocorridos há séculos usando os nossos padrões de moral de hoje.

A mentalidade, os valores éticos e os conceitos de moral mudam e progridem com o passar do tempo. Sem a consciência de que a moral humana evolui é inviável analisar acontecimentos antigos. Tomemos como exemplo o Antigo Testamento da Bíblia: os hebreus aplicavam a pena de morte por apedrejamento (Dt 21 18-21) a todos os que desobecessem a lei de Moisés, e até mesmo aos filhos desobedientes!

Nos dias de hoje, uma pena dessas seria vista como desumana, hedionda. Mas naquela época, dentro da mentalidade e da cultura daquele período histórico, era considerada um ato de justiça. O tempo passa e os conceitos de moral e justiça vão se aperfeiçoando. E é Deus mesmo que nos dá a consciência e a capacidade intelectual para que possamos evoluir e viver cada vez mais e melhor o Caminho de Salvação, preparado para toda a humanidade e cumprido plenamente em Cristo Jesus. Primeiro ponto: a Inquisição existiu num período histórico muito diferente do nosso, com padrões de moral e justiça completamente diferentes dos atuais. Diga-se que os traidores do rei eram punidos com a pena de morte. Então, pensavam, o que mereceriam os traidores de Deus?

Outro erro grave é imaginar que a Inquisição Católica foi a única inquisição religiosa que existiu. Responda rápido: que instituição religiosa condenou mais de 300 pessoas pela prática de bruxaria, decretando tortura e pena de morte na forca às célebres bruxas de Salem? Que instituição religiosa levou à morte mais de 30.000 camponeses anabatistas na Alemanha? Sob que ordens o médico espanhol Miguel Servet Grizar, descobridor da circulação sanguínea, foi condenado a morrer na fogueira? Quem mandou para a fogueira mais de mil mulheres escocesas, num período de seis anos (1555 - 1561)?[1] Sem dúvida muita gente diria, sem medo de errar, que a resposta para todas essas questões é a mesma: a Igreja Católica.

Resposta errada. Todos esses crimes foram cometidos pelaInquisição Protestante, que quase nunca é mencionada pelos críticos da Igreja Católica, principalmente porque esses críticos são quase sempre protestantes! Grupos da Inquisição Protestante esfolaram vivos os monges da Abadia de São Bernardo, Bremen, e depois passaram sal em suas carnes vivas antes de pendurá-los no campanário do mosteiro[2]. Em Augsburgo, em 1528, cerca de 170 anabatistas foram aprisionados por ordem do poder público protestante, sendo que muitos deles foram queimados vivos e outros marcados com ferro em brasa nas bochechas ou tiveram a língua cortada.[2] O teólogo protestante Meyfart descreveu a tortura aplicada pela inquisição protestante, que ele presenciou, qualificando-a como uma “bestialidade”[2].

A Inquisição Católica foi estabelecida na França, pelo Papa Gregório IX, em 1231, para combater a heresia cátara, uma seita cuja doutrina contrariava todos os princípios que os Evangelhos e a Igreja sempre defenderam desde o início do cristianismo. Foi uma das maiores ameças à Igreja de todos os tempos.

Os cátaros eram contra a procriação e o Matrimônio. Consideravam malditas as grávidas, defendiam o suicídio por inanição, pregavam a renúncia radical aos prazeres, negando a Igreja e o culto religioso. Viam o corpo como coisa ruim (uma manifestação do mal), e ensinavam a salvação através de um ciclo de reencarnações, e não por Jesus Cristo[3].

Os cátaros ensinavam que nossos corpos e o mundo material tinham sido criados por um deus mal, e que o homem não devia se reproduzir. Segundo alguns autores, chegavam a matar mulheres grávidas com punhaladas no ventre. Para o catarismo, dois princípios eternos dividem o Universo: um bom, criador do mundo dos espíritos, e um mau, criador do mundo terreno4.

Como todas as heresias, o catarismo afirmava que a sua doutrina era o “verdadeiro cristianismo”, usando alguns termos e conceitos cristãos, mas distorcendo seus significados e renegando os dogmas. Viam a Cristo como um “anjo caído” e negavam a Ressurreição do Senhor, rejeitando todos os Sacramentos. O aborto e o suícidio eram princípios básicos desses hereges[4].

O catarismo se expandiu muito: dominaram o Languedoc, a Provença, influenciaram o nordeste da Espanha, a Lombardia, a Itália, a atual Yugoslávia e os Bálcãs. Passaram a ameaçar o domínio da Igreja na Europa, e o problema cresceu. Combatidos pelo Estado, os cátaros se ocultaram, mas continuaram difundindo suas ideias[5]. A Inquisição surgiu para garantir a sobrevivência da Igreja na luta contra essa e outras heresias.

Sobre a tortura, que era imposta pelo Estado, e não pela Igreja: a Inquisição foi a primeira instituição jurídica no mundo a declarar que as confissões sob tortura não seriam válidas para a condenação de alguém. A Inquisição exigiu que a tortura fosse limitada, e que deveria ser usada apenas para a obtenção de informações, e não como instrumento de punição. Que não poderia violar a integridade física da pessoa; que deveria ser limitada a no máximo meia hora, que deveria ser assistida por um médico e que jamais poderia se repetir[5].

O recurso da tortura, usado nos tribunais laicos, não era constante na Inquisição, que recorreu muito raramente a esse procedimento: ao todo, menos de 10% dos processos usaram tal método[6]. A Inquisição impôs uma regra que proibia aos eclesiásticos derramar qualquer gota de sangue dos réus, e confissões obtidas sob tortura perderam a validade. No fim, o tribunal religioso condenou pouco[6].

Notemos como a verdade histórica é diferente daquela que vemos nos filmes de Hollywood (EUA = protestantismo). Os fatos surpreendem os leigos, acostumados a ouvir grandes e absurdos exageros a respeito desse assunto. A Inquisição também tinha por finalidade controlar os excessos de violência cometidos pelo Estado[5].

Sobre a Inquisição espanhola, a mais temida, é preciso saber que ela foi principalmente uma instituição civil não controlada pela Igreja, e que a própria Igreja censurou e tomou medidas contra ela[7]. Também é fundamental saber que quase tudo o que se divulgou a respeito da Inquisição espanhola é fruto de calúnias difundidas pelo ex-padre Juan Antonio Llorente, um apóstata que produziu documentos sobre a inquisição na Espanha com o interesse de ajudar a França de Napoleão a dominar aquele país. Llorente queimou todos os documentos que usou, para que não se descobrissem falsificações[7].

Poucas pessoas conhecem esses detalhes importantíssimos a respeito da história, mas são muitos os que se acham qualificados para criticar a Igreja sobre esse assunto, imaginando que já sabem tudo o que é preciso para expressar opiniões equivocadas, mesmo sem conhecer nada das fontes realmente históricas...

Além de tudo, os métodos aplicados pela Inquisição eram mais humanos que os da autoridade civil da época: um notário transcrevia o processo, os acusados não ficavam presos durante o inquérito, podiam recusar um juiz e apelar para Roma contra alguma decisão do tribunal[6].

Fato: as ações repressoras da Inquisição foram bem menos implacáveis que as civis. Por que, então, se mantém uma imagem tão terrível do Santo Ofício? Por vários motivos, mas foi sobretudo o fanatismo do inquisidor espanhol Tomás de Torquemada (século XV), que ficou gravado na memória. Daí veio o protestantismo no século XVI, o antipapismo anglicano, o iluminismo e o anticlericalismo dos séculos XIX e XX... Um conjunto de eventos e adversários da Igreja que pintaram um quadro pavoroso da Inquisição, que, mesmo sendo falso, ainda repousa na mentalidade do nosso tempo.

Fontes bibiliográficas:

1. DANIELS, Estele. Wicca Essencial. São Paulo: Pensamento, 2001, p.324;
2. CAMMILIERI, Rino. La Vera Storia dell´Inquisizione, Piemme: Casale Monferrato, 2001;
3. GONZAGA, João Bernardino G. A Inquisição em seu Mundo. São Paulo: Saraiva, 1993;
4. AYLLÓN, Fernando. El Tribunal de la Inquisición; De la leyenda a la historia. Lima, Fondo Editorial Del Congreso Del Perú, 1997;
5. WALSH, William T. Personajes de la Inquisición. Madrid, Espasa-Calpe, S. A., 1963;
6. Revista História Viva nº 32 - especial Grandes Temas / A Redescoberta da Idade Média, São Paulo: Duetto março/2011;
7. FALBEL, Nachman. Heresias Medievais. São Paulo, Ed. Perspectiva S. A., 1977.