sexta-feira, 22 de julho de 2011

DOMINGO XVII COMUM - À procura do tesouro escondido e da pérola preciosa Leituras: 1 Rs 3,5.7-12; Rm 8, 28 -30; Mt 13, 44 -52

Por Dom Emanuele Bargellini, Prior do Mosteiro da Transfiguração

DOMINGO XVII COMUM
À procura do tesouro escondido e da pérola preciosa
Leituras: 1 Rs 3,5.7-12; Rm 8, 28 -30; Mt 13, 44 -52
“Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados para a salvação, de acordo com o projeto de Deus” (Rm 8, 28 – Segunda leitura).
De onde vem ao apóstolo tamanha certeza confiante, diante das provações e contrariedades que têm acompanhado seu caminho e que acompanham o caminho de todo discípulo que escolhe seguir Jesus sem compromissos?
A resposta vem do próprio Jesus: “Eu te louvo, ó Pai Santo, Deus dos céus e da terra: os mistérios do teu reino aos pequeninos, Pai, revelas!” (Aclamação ao evangelho. Cf. Mt 11,25).
É propriamente a sabedoria que vem do Pai, a dar aos discípulos que se abrem a Deus e ao ensino de Jesus com simplicidade de coração e fé, conhecer o verdadeiro sentido da vida em correspondência ao projeto do amor de Deus. Os pequeninos são introduzidos no mistério do reino de Deus, que atua na história e na vida deles, e conseguem afinar-se, como um instrumento musical, ao seu ritmo e ao seu projeto. Eles “sabem”, com a intuição da fé, que o Pai tem cuidadosa cura até dos pássaros do céu e das flores do campo (cf. Mt 6, 28), e se entregam com confiança a ele, como a criança em braço de sua mãe (Sl 131).
O apóstolo ainda acrescenta: “Depois disso, que nos resta dizer? Se Deus está conosco, quem estará contra nós?... Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, os perigos, a espada?... Mas em tudo isto somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou” (Rm 8, 31.35.37). No pano de fundo destas palavras é fácil ler a experiência pessoal de Paulo, assim como a de inúmeros cristãos e cristãs que, ao longo da história do povo de Deus, chegaram a cumprir com grande criatividade obras maravilhosas de caridade, de cultura e de desenvolvimento social, muitas vezes sem recursos humanos relevantes, porém com a forca do amor. Às vezes até mesmo com o dom da própria vida, em testemunho inabalável da fé.
Uma testemunha excepcional do nosso tempo, Etty Hillesum, uma jovem judia morta no campo de concentração de Auchwitz durante a Segunda Guerra Mundial (1943), escreve no seu diário, encontrado depois da sua morte: “Eu acredito que da vida se possa levar sempre algo de positivo em qualquer circunstância; temos, porém, o direito de afirmá-lo, somente se pessoalmente não fugimos das circunstâncias piores” (Diário). E ainda: “Não são os acontecimentos a contar na vida... mas o que nos tornamos graças aos acontecimentos” (Idem).
E nós não pertencemos por acaso à mesma família de Deus, circundados do mesmo cuidado do Pai e acompanhados por tantas testemunhas que, confiando na fidelidade dele, largaram tudo para ganhar o tesouro escondido no campo e a pérola preciosa? Jesus nos convida a entrar no mesmo caminho e a nos empenharmos, guiados pela sabedoria do Espírito, na busca do tesouro da vida plena, deixando de lado tudo o que pode nos impedir de alcançar a meta e investindo todas as nossas energias na sua aquisição.
O reino dos céus é como um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo”(Mt 13, 44). Somente quem tem a sabedoria do Espírito consegue reconhecer no campo indistinto das situações da vida, o tesouro escondido do dom de Deus, da sua proposta e do seu chamado para uma vida diferente. Daí sua decisão de “vender tudo”, abandonar o que todo mundo acha importante para o sucesso da vida, para “comprar o campo”, seguir o chamado interior, alegre mesmo correndo o risco do investimento.
“Jesus dizia a todos: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois aquele que quiser salvar sua vida a perderá, mas o que perder sua vida por causa de mim, a salvará” (Lc 9, 23-24).
Assim nasce e se desenvolve toda autêntica vocação do seguimento a Cristo e de toda escolha de configurar a ele a própria vida, partindo da íntima experiência do encontro com ele mesmo. Para aqueles que não têm esta luz/sabedoria do Espírito e não experimentaram o encontro com Cristo ao centro da própria vida, a busca apaixonada pelo tesouro escondido e a pérola mais preciosa do que as outras, parecem incompreensíveis. “O reino dos céus também é como um comprador de pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola.... Compreendestes tudo isso? Eles responderam: ‘Sim’.” (Mt 13, 45-46; 51 ).
Quem se coloca na escola de Jesus, o mestre que sabe valorizar os tesouros da tradição dos padres, conferindo-lhes uma nova atualidade, se torna ele mesmo mestre de sabedoria e de vida (cf Mt 13, 52). O discípulo de Jesus se torna mestre para os outros na medida em que permanece e vive como verdadeiro discípulo de Jesus, o único Mestre (cf Mt 23,8).
Às vezes, a procura do tesouro escondido e da pérola preciosa se torna motivo de escárnio e de contraste. Jesus nos alerta: “Não penseis que vim trazer paz, mas espada.” (cf Mt 10,34-35). Mais ainda nos desafia: “Não ajunteis tesouros na terra, onde a tração e o caruncho corroem e os ladrões arrombam e roubam, mas ajuntai para vós tesouros no céu.... pois onde está teu tesouro, ali está teu coração” (Mt 6,19-20).”
Este é o tesouro precioso que Salomão, consciente da sua falta de experiência (“eu não passo de um adolescente, que não sabe ainda como governar”), pede ao Senhor, e que o Senhor lhe concede com generosidade divina: “Dai ao teu servo um coração compreensivo, capaz de governar o teu povo e de discernir o bem e o mal... Já que pediste esses dons e não pediste para ti longos anos de vida, nem riquezas... mas sim, sabedoria... dou-te um coração sábio e inteligente”  (1 Rs 3,4; 11-12).
A relação vital com a palavra do Senhor, para aqueles que se abrem a ela, se torna a verdadeira riqueza da vida e fonte da autêntica sabedoria e alegria: “A lei da vossa boca, para mim, vale mais do que milhões em ouro e prata... Maravilhosos são os vossos testemunhos, eis porque meu coração os observa! Vossa palavra, ao revelar-se ilumina, e ela dá sabedoria aos pequeninos” ( Salmo Responsorial 118).
Eis uma vida unificada e potenciada a partir da relação com o Senhor. A experiência de cada dia, pelo contrário, nos encontra muitas vezes em tensão entre a multiplicidade de sentimentos, desejos, medos, especialmente no que diz respeito a nós mesmos, aos outros, a Deus. Por outro lado, há sempre a exigência de nos encontrarmos, encontrarmos o nosso centro.
A rápida sucessão de impulsos, sentimentos, desejos, frustrações nos atravessam, até nos percebermos quase que esvaziados, roubados, desnorteados e exilados de nós mesmos.
Percebemos a necessidade de reencontrar a camada profunda das águas vivas, camada esta que irriga a vida e nos faz sentir em nossa casa. Precisamos aprender a lidar com as solicitações sem número que vêm do exterior (TV – Rádio – conversas, etc.), mas também com o fluxo das emoções e pensamentos, que todo dia nos impelem a ficar fora de nós mesmos. Isso se faz necessário para recuperarmos a capacidade de “habitar conosco”.
“Conhece a ti mesmo!”, dizia um antigo filósofo, profundo conhecedor da tendência ilusória humana de procurar fora de si mesmos as razões dos próprios conflitos, assim como a nascente da própria felicidade.
A partir desta experiência de fragmentação e desta inata exigência de unidade interior, é possível iniciar um autêntico processo de unificação do coração, centrado sobre o tesouro escondido no campo da vida. A inquietação que acompanha sua busca é graça. Impele-nos a discernir e a escolher entre os peixes bons e os peixes que não prestam, e que se encontram misturados na rede da vida (cf Mt 13, 47-48).
São Romualdo [1], homem iluminado pela sabedoria de Deus, tendo diante de si a parábola da rede cheia de todo tipo de peixe, indicava aos discípulos o caminho para voltar ao centro de si mesmos e ali encontrar a nascente profunda da vida: “Fica sentado na tua cela, como no paraíso. Expele da tua memória o mundo inteiro e joga-o atrás de ti. Fica vigilante e atento aos bons pensamentos, como um bom pescador aos peixes. Única via, para ti, encontra-se nos salmos. Não deixá-la mais” (Pequena regra de ouro, em Bruno Bonifácio, Vida dos cinco Irmãos, c.19)
Ler um livro, refletir sobre nós mesmos e sobre os eventos, além das emoções e das aparências imediatas, meditar a Palavra de Deus, é caminho de sabedoria, é caminho de oração, é caminho para aprender a “governar a vida”, segundo a sábia oração de Salomão. É caminho para reconhecer que de verdade, “tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados para a salvação de acordo com o projeto de Deus” (Rm 8, 28).
A partir do processo de unificação interior na sua relação com o Senhor, - que constitui o centro do evangelho e da espiritualidade cristã - se amplia e se aprofunda a visão da realidade, e se constroem sobre a rocha as escolhas fundamentais da vida. Constatamos o quanto seja difícil manter o leme do barco na direção deste horizonte unificante. E precisamos nos perguntar repetidamente: “Onde estou?”, “Para onde estou dirigindo-me?”.
Caminhar rumo uma vida sempre mais unificada no Senhor, e dele aprender a tudo abraçar com amor e liberdade, é cumprir com Cristo a passagem da páscoa, é a meta do projeto de Deus que fazer encontrar novamente a todas as coisas o próprio centro unificador em Cristo.
Um certo desnível entre a perspectiva e a meta marca com certeza o caminho do discípulo. É a nossa cruz e a nossa salvação! Antes de tornar-se razão para desanimar, se traduz em tomada de consciência da nossa condição de peregrinos rumo à plenitude da páscoa eterna, que coincide com a harmonia original: “Ainda peregrinos neste mundo, não só recebemos, todos os dias, as provas de vosso amor de pai, mas também possuímos, já agora, a garantia da vida. Possuindo as primícias do Espírito... esperamos gozar, um dia, a plenitude da páscoa eterna.”(Prefácio dos domingos, VI. Seu uso resulta bem apropriado na missa de hoje).
Desta consciência de povo peregrino, brota a invocação confiante da Igreja: “Ó Deus, sois o amparo dos que em vós esperam e, sem vosso auxílio, ninguém é forte, ninguém é santo. Redobrai de amor para conosco, para que, conduzidos por vós, usemos de tal modo os bens que passam, que possamos abraçar os que não passam” (Oração do Dia).



SÃO PAULO, quinta-feira, 21 de julho de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos o comentário à Liturgia da Palavra do 17º domingo do Tempo Comum – 1 Rs 3,5.7-12; Rm 8, 28 -30; Mt 13, 44 -52 –, redigido por Dom Emanuele Bargellini, Prior do Mosteiro da Transfiguração (Mogi das Cruzes - São Paulo). Doutor em liturgia pelo Pontificio Ateneo Santo Anselmo (Roma), Dom Emanuele, monge beneditino camaldolense, assina os comentários à liturgia dominical, às quintas-feiras, na edição em língua portuguesa da Agência ZENIT. 
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