quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Homilia do Papa: solenidade da Assunção “Deus, verdadeira urgência do homem”

Queridos irmãos e irmãs:
Estamos reunidos, mais uma vez, para celebrar uma das mais antigas e amadas festas dedicadas a Maria Santíssima: a festa da sua assunção à glória do Céu em alma e corpo, isto é, com todo o ser humano, na integridade da sua pessoa. É-nos dada, assim, a graça de renovar nosso amor a Maria, de admirá-la e louvá-la pelas “grandes coisas” que o Onipotente fez por Ela e que operou nela.
Na contemplação da Virgem Maria, foi-nos dada outra graça: a de poder ver em profundidade também a nossa vida. Sim, porque também a nossa existência cotidiana, com seus problemas e suas esperanças, recebe luz da Mãe de Deus, do seu percurso espiritual, do seu destino de glória: um caminho e uma meta que podem e devem se tornar, de alguma maneira, nosso próprio caminho e nossa própria meta. Deixemo-nos conduzir pelas passagens da Sagrada Escritura que a liturgia de hoje nos propõe. Eu gostaria de me deter, em particular, em uma imagem que encontramos na primeira leitura, tirada do Apocalipse e retomada pelo Evangelho de São Lucas: a da arca.
Na primeira leitura ouvimos: “Abriu-se o Santuário de Deus que está no céu e apareceu no Santuário a arca da sua Aliança” (Ap 11,19). Qual é o significado da arca? Para o Antigo Testamento, esta é o símbolo da presença de Deus no meio do seu povo. Mas agora o símbolo cedeu seu lugar à realidade. Assim, o Novo Testamento nos diz que a verdadeira arca da Aliança é uma pessoa viva e concreta: é a Virgem Maria. Deus não habita em um móvel; Deus vive em uma pessoa, em um coração: Maria, a que carregou em seu seio o Filho eterno de Deus feito homem, Jesus, nosso Senhor e Salvador.
Na arca, como sabemos, eram conservadas as duas tábuas da lei de Moisés, que manifestavam a vontade de Deus de manter a aliança com o seu povo, indicando-lhe as condições para ser fiéis ao pacto de Deus, para conformar-se com a vontade de Deus e assim também com a nossa verdade profunda. Maria é a arca da aliança, porque acolheu Jesus em si mesma; acolheu em si a Palavra vivente, todo o conteúdo da vontade de Deus, da verdade de Deus; acolheu em si Aquele que é a nova e eterna aliança, culminada com o oferecimento do seu corpo e do seu sangue: corpo e sangue recebidos por Maria. Por este motivo, portanto, a piedade cristã, nas ladainhas em honra de Nossa Senhora, dirige-se a Ela invocando-a como Foederis Arca, isto é, “arca da aliança”, arca da presença de Deus, arca da aliança de amor que Deus quis expressar de maneira definitiva em Cristo para toda a humanidade.
A passagem do Apocalipse quer indicar outro aspecto importante da realidade de Maria. Ela, arca vivente da aliança, tem um destino de glória extraordinário, porque está estreitamente unida ao Filho que acolheu na fé e gerou na carne, que compartilha plenamente a glória do céu. É o que sugerem as palavras escutadas: “Então apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida com o sol, tendo a lua debaixo dos pés e, sobre a cabeça, uma coroa de doze estrelas. Estava grávida (…). E ela deu à luz um filho homem, que veio para governar todas as nações (...)” (12,1-2a; 5). A grandeza de Maria, Mãe de Deus, cheia de graça, plenamente dócil à ação do Espírito Santo, vive já no céu de Deus, toda ela, alma e corpo. São João Damasceno, referindo-se a este mistério em uma famosa homilia, afirma: “Hoje, a santa e única Virgem é conduzida ao templo celeste (...). Hoje, a arca sagrada e animada pelo Deus vivente, [a arca] que carregou em seu seio o próprio Artífice, repousa no templo do Senhor, não construído pelas mãos do homem” (Homilia sobre a Dormição, 2 PG 96, 723). E continua: “Era necessário que aquela que acolheu em seu seio o Logos divino se transladasse às tendas do seu Filho (…). Era necessário que a Esposa que o pai havia escolhido morasse na estância nupcial do céu” (ibid., 14, PG 96, 742). Hoje, a Igreja canta o amor imenso de Deus por esta criatura sua: escolheu-a como verdadeira “arca da aliança”, como a que continua gerando e dando Cristo Salvador à humanidade, como a que no céu compartilha a plenitude da glória e desfruta da mesma felicidade de Deus e, ao mesmo tempo, nos convida também a converter-nos, à nossa modesta maneira, em “arca” na qual está presente a Palavra de Deus, que está transformada e vivificada pela sua presença, lugar da presença de Deus, de maneira que os homens possam encontrar no próximo a proximidade de Deus e, assim, viver em comunhão com Deus e conhecer a realidade do céu.
O Evangelho de São Lucas que escutamos (Lc 1, 39-56) nos mostra esta arca vivente, que é Maria, em movimento: tendo deixado sua casa de Nazaré, Maria se põe em viagem rumo à montanha para chegar o quanto antes a uma cidade de Judá e chegar à casa de Zacarias e de Isabel. Parece-me importante destacar a expressão “apressadamente”: as coisas de Deus merecem esta urgência. Inclusive podemos dizer que as únicas coisas que merecem urgência são as de Deus, verdadeira urgência da nossa vida. Então, Maria entra na casa de Zacarias e de Isabel, mas não entra sozinha. Certamente, ela e seu auxílio eram esperados nessa casa, mas o evangelista nos ajuda a compreender que esta espera nos conduz a outra, mais profunda. Zacarias, Isabel e o pequeno João Batista são, de fato, o símbolo de todos os justos de Israel, em cujos corações, repletos de esperança, aguardam a vinda do Messias Salvador. E é o Espírito Santo que abre os olhos de Isabel para fazer-lhe reconhecer em Maria a verdadeira arca da aliança, a Mãe de Deus que vai visitá-la. E, assim, a anciã parente a acolhe “exclamando”: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como mereço que a mãe do meu Senhor venha me visitar?” (Lc 1,42-43). E é o mesmo Espírito Santo quem a leva a Deus feito homem, abre o coração de João Batista no seio de Isabel. Esta exclama: “Logo que a tua saudação ressoou nos meus ouvidos, o menino pulou de alegria no meu ventre” (v.44). Aqui, o evangelista Lucas usa o termo skirtan, isto é, “saltar”, o mesmo termo que encontramos em uma das antigas traduções gregas do Antigo Testamento para descrever a dança do rei Davi diante da arca santa que voltou finalmente à pátria (2 Sam 6,16). João Batista, no seio de sua mãe, dança diante da arca da Aliança, como Davi, e reconhece assim que Maria é a nova arca da Aliança, diante da qual o coração exulta de alegria, a Mãe de Deus presente no mundo, que não guarda para si mesma esta divina presença, mas que a oferece, compartilhando a graça de Deus. E assim, como diz a oração, Maria é realmente “causa nostrae laetitiae”, (causa da nossa alegria), a “arca” na qual realmente o Salvador está presente entre nós.
Queridos irmãos! Estamos falando de Maria, mas, de alguma maneira, estamos falando também de nós, de cada um de nós: também nós somos destinatários desse amor imenso que Deus reservou – de forma única e irrepetível – a Maria. Nesta solenidade da Assunção, dirijamos o olhar a Maria: Ela nos conduz à esperança, a um futuro repleto de alegria, e nos mostra o caminho para alcançá-lo: acolher na fé o seu Filho; não perder jamais a amizade com Ele, mas deixar-nos iluminar e guiar pela sua palavra; segui-lo cada dia, inclusive nos momentos em que sentimos que nossas cruzes se tornam pesadas. Maria, a arca da aliança que está no santuário do céu, nos indica, com luminosa claridade, que estamos no caminho rumo à nossa verdadeira Casa, a comunhão de alegria e de paz com Deus.
Amém!



CASTEL GANDOLFO, terça-feira, 16 de agosto de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos, a seguir, a homilia que Bento XVI pronunciou nesta segunda-feira, na Missa celebrada na paróquia de São Tomás de Villanueva, de Castel Gandolfo, na solenidade da Assunção da Virgem Maria.
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[Tradução: Aline Banchieri.